São Paulo, sexta-feira, 17 de junho de 2005

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CDS

POP

Discos da cantora carioca gravados nos anos 80 ganham remasterizações

Com relançamentos, Marina viaja de volta para o futuro

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL

Mais do que artista solo, Marina Lima é artista só. Cruzou por inteiro duas décadas de música, criou caminhos, viu colegas desaparecerem e, agora, prestes a completar 50 anos, volta ao ponto inicial. A ocasião é propícia para a revisão, já que a Universal recoloca no mercado a extensa obra da cantora nos anos 80.
São oito CDs, vendidos separadamente, remasterizados com a produção de Marcelo Fróes (responsável também pelos relançamentos de Roberto Carlos) e textos com comentários de Marina sobre a história de cada disco. Segundo a Universal, a iniciativa pode ser a primeira de uma série chamada "Coleção Anos 80", dedicada a relançar o catálogo completo de artistas do período. No caso da cantora, a coleção preenche vácuos maiores -"Olhos Felizes" e "Certos Acordes" chegam ao formato CD pela primeira vez.
Erra quem tenta enquadrá-la no rol dos artistas que se refugiam no passado (basta lembrar que seu mais recente trabalho é o "Acústico MTV"). À Folha, Marina escolheu conceder entrevista por e-mail, e sua assessoria preferiu não agendar fotos com a artista -ela prepara um "espetáculo multimídia" dirigido por Monique Gardenberg, em que testará músicas inéditas para um novo álbum.
"Quando lancei esses discos, nos anos 80, falei longamente sobre eles. Agora, com esses relançamentos, falei horas sobre cada um novamente. Sinceramente, acho que, em relação a esse assunto, já dei o que tinha que dar", afirma à Folha. "Não tenho todos os discos, e fui dando e perdendo alguns pelo caminho. Mas um dia quero ter todos, para poder ver bem como já trabalhei."
Os relançamentos colocam, indiretamente, duas épocas cruciais para a cantora em confronto. Se, naquele período, ela surgia no mercado e construía uma sólida carreira ("O duro era ser uma das únicas mulheres com trabalho autoral, isso era solitário"), hoje ela tenta reconstruir sua trajetória, em um caminho não óbvio para os artistas de sua geração (como Lobão, por exemplo).
Está, portanto, tão só quanto era em 1980, quando estreava na Ariola com seu segundo disco, "Olhos Felizes", e encarnava a figura da novata que desafiava o reinado de cantoras de MPB estabelecidas. O embrião que iria transformar a cultura jovem e o rock em fenômeno de massa no Brasil ainda era apenas idealizado. Marina começou a visualizar com mais clareza a conexão com esse público em "... Desta Vida Desta Arte" (1982), e definitivamente no bem vendido "Fullgás" (1984) -que o encarte informa erroneamente ser de 1988. A ponte entre os anos 70 e os 80 estava feita, e atravessada, portanto.
Continuaria em empreitada solitária. Enquanto bandas surgiam, Marina seguia solo, entre o pop, o rock e a MPB. Nos anos 90, o sucesso de nomes como Cássia Eller, Marisa Monte ou Adriana Calcanhotto mostrava que as coisas mudavam, tanto musicalmente quanto sexualmente.
Ela sente-se responsável por esse cenário? "Bem, cheguei com uma sonoridade diferente, querendo abrir novas fronteiras na música brasileira. E as canções eram muito boas. Se vejo conexões? Aqui e ali... Hoje existem muito mais cantoras e compositoras do que nos 80. E o que mais valorizo é uma busca pela depuração. Esse é o elo que desejo ter com quem está chegando", diz.
Outra ponte, e outra década (anos 90), atravessada por Marina. Se ela acha que falta reconhecimento, hoje, ao seu trabalho, devido ao fato de ser mulher?
"Se eu fosse homem, a minha trajetória seria outra. Mas acho que as pessoas sabem, sim, o valor do meu trabalho. O que não adianta é esperar que elas fiquem elogiando ou babando demais o ovo... Isso não rola mesmo, até pelo fato de eu ser mulher [risos]. Só se eu fizesse muito lobby."
Enquanto não ganha novo rótulo (já foi a "gata romântica", no começo dos 80, e "jovem senhora", nos 90), Marina ensaia a construção de nova ponte, esta talvez a mais sofrida de todas, em direção aos anos 2000. Parcerias e público à parte, ela sempre soube se virar muito bem sozinha.


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