São Paulo, sábado, 17 de junho de 2006

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David Sedaris apresenta seu irônico mundo

"De Veludo Cotelê e Jeans", livro do humorista americano que sai agora no Brasil, reúne crônicas autobiográficas

Chamado de "Woody Allen de origem grega", autor comenta como concilia a privacidade da família, seu tema principal, e a literatura


SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Ele nasceu em Nova York, tem a voz fina, algo metálica, é cheio de tiques e manias e faz seu melhor humor falando mal de si mesmo e escrevendo sobre sua família esquisita. David Sedaris ser chamado de o Woody Allen de origem grega é mais do que um recurso de editoras para vender livros. O escritor e humorista, que completa 50 anos neste ano, é o que o cineasta poderia ter sido se não tivesse mudado seu foco principal para o cinema.
Autor de dezenas de livros -na verdade coletâneas do que publica em revistas como "New Yorker", "Esquire" e "GQ" e do que lê em programas da National Public Radio (NPR), a rádio pública norte-americana que é exemplo de excelência de programação-, Sedaris nunca viu um título seu não fazer parte da lista dos mais vendidos do jornal "The New York Times". Foi assim com o mais conhecido, "Me Talk Pretty One Day" (2000), "mim falar bonito um dia", literalmente o que ele conseguiu dizer em francês depois de dezenas de aulas que teve antes de se mudar para aquele país, onde mora hoje com o namorado. É assim com "De Veludo Cotelê e Jeans", que sai agora no Brasil.
Com pitadas de Mark Twain e do brasileiro Mauro Rasi, entre outros, mas voz (metálica e fina) própria, Sedaris fala da visita à casa de Anne Frank, em que tudo o que consegue pensar é o valor do imóvel, da relação potencialmente conturbada que sua família tem com o fato de ser objeto da maior parte de suas histórias -à exceção do pai e do irmão, que se aproveitam da fama- e dos franceses. Leia a conversa que o autor teve com a Folha.

 


FOLHA - Sua irmã, Lisa, reclamou que você escrevia sobre ela, e você escreveu um texto contando da reclamação. Como conciliar sua literatura com a privacidade da família?
DAVID SEDARIS -
Mostro a eles tudo antes de publicar. Nunca acontece de abrirem uma revista ou livro e se chocarem com uma revelação. E há uma diferença entre meu irmão e o personagem de meu irmão. Eu vejo a diferença e ele vê a diferença. O problema é quando o leitor não vê essa diferença e o trata na rua como se fosse amigo...

FOLHA - Seus livros geralmente são reuniões de material já lido na rádio ou publicado em revistas. Você pensa em fazer algo inédito ou um romance?
SEDARIS -
Tenho um contrato para fazer um romance, mas não consigo. Minha atenção só dura dez páginas, então imagino que a do meu leitor também. Foi daí que resolvi fazer um livro de fábulas com animais, que é meu próximo. É inédito e traz embutida uma pequena malandragem: quero economizar o leitor de descrições intermináveis sobre personagens. Quando digo "Fulano era um crocodilo", a frase é auto-explicativa. Já se escrevo sobre uma mulher chamada Lucille, tenho de contar como ela é...

FOLHA - Sua mãe, Sharon [morta em 1991], é um dos personagens mais interessantes.
SEDARIS -
É justo dizer que ela é minha musa. Mas eu sempre me interesso por relações familiares. Quando conheço alguém, minha primeira pergunta é sobre os pais da pessoa, onde vivem, se tem irmãos. Acho estranho quando personagens não têm família.

FOLHA - Você deve odiar então os quadrinhos da Disney...
SEDARIS -
[Risos!] Sim, todos são tios, sobrinhos e primos!

FOLHA - Você é definido como "escritor de não-ficção". Essa expressão é verdadeira?
SEDARIS -
Exagero muito. Mas depende sobre quem estou escrevendo e para onde. Por exemplo, a "New Yorker" tem um processo de checagem de fatos muito rigoroso. Sempre liga uma pessoa pedindo o telefone dos personagens para confirmar se eles disseram o que eu disse que disseram, se existem. Odeio escrever lá! [Risos]

FOLHA - E como você concilia os exageros com a censura prévia da família? Ou só o fato de você ter escrito sobre algo torna aquilo verdadeiro para eles?
SEDARIS -
É exatamente assim. Se estou contando algo que aconteceu há muito tempo, mas com muitas invenções, eles a princípio olham desconfiados, depois vão dizendo: "É mesmo! Agora estou lembrando... Foi exatamente assim".

FOLHA - Você parece ser obcecado por telenovelas norte-americanas. Um dos principais produtos culturais de exportação do Brasil é justamente a telenovela. De onde você acha que vem o apelo do gênero?
SEDARIS -
O apelo, pelo menos nos EUA, vem do fato de passarem todos os dias, à tarde, o que cria uma relação quase familiar entre o telespectador e os personagens. O enredo não muda muito: são sempre duas famílias ricas que disputam o poder de algo. Já fui convidado a escrever para uma telenovela. Sugeri que, como são sempre "filthy rich" (expressão em inglês que pode ser traduzida como "podres de ricas", mas a palavra "filthy" quer dizer literalmente "imunda"), que as duas famílias fossem mesmo sujas, com roupas e casas sujas, sem tomar banho, e que todos sabiam disso, mas ninguém comentava. Obviamente o argumento foi recusado.


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