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David Sedaris apresenta seu irônico mundo
"De Veludo Cotelê e Jeans", livro do humorista americano que sai agora no Brasil, reúne crônicas autobiográficas
Chamado de "Woody Allen de origem grega", autor comenta como concilia a privacidade da família, seu tema principal, e a literatura
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Ele nasceu em Nova York,
tem a voz fina, algo metálica, é
cheio de tiques e manias e faz
seu melhor humor falando mal
de si mesmo e escrevendo sobre sua família esquisita. David
Sedaris ser chamado de o
Woody Allen de origem grega é
mais do que um recurso de editoras para vender livros. O escritor e humorista, que completa 50 anos neste ano, é o que
o cineasta poderia ter sido se
não tivesse mudado seu foco
principal para o cinema.
Autor de dezenas de livros
-na verdade coletâneas do que
publica em revistas como "New
Yorker", "Esquire" e "GQ" e do
que lê em programas da National Public Radio (NPR), a rádio
pública norte-americana que é
exemplo de excelência de programação-, Sedaris nunca viu
um título seu não fazer parte da
lista dos mais vendidos do jornal "The New York Times".
Foi assim com o mais conhecido, "Me Talk Pretty One Day"
(2000), "mim falar bonito um
dia", literalmente o que ele
conseguiu dizer em francês depois de dezenas de aulas que teve antes de se mudar para aquele país, onde mora hoje com o
namorado. É assim com "De
Veludo Cotelê e Jeans", que sai
agora no Brasil.
Com pitadas de Mark Twain
e do brasileiro Mauro Rasi, entre outros, mas voz (metálica e
fina) própria, Sedaris fala da visita à casa de Anne Frank, em
que tudo o que consegue pensar é o valor do imóvel, da relação potencialmente conturbada que sua família tem com o
fato de ser objeto da maior parte de suas histórias -à exceção
do pai e do irmão, que se aproveitam da fama- e dos franceses. Leia a conversa que o autor
teve com a Folha.
FOLHA - Sua irmã, Lisa, reclamou
que você escrevia sobre ela, e você
escreveu um texto contando da reclamação. Como conciliar sua literatura com a privacidade da família?
DAVID SEDARIS - Mostro a eles
tudo antes de publicar. Nunca
acontece de abrirem uma revista ou livro e se chocarem com
uma revelação. E há uma diferença entre meu irmão e o personagem de meu irmão. Eu vejo
a diferença e ele vê a diferença.
O problema é quando o leitor
não vê essa diferença e o trata
na rua como se fosse amigo...
FOLHA - Seus livros geralmente são
reuniões de material já lido na rádio
ou publicado em revistas. Você pensa em fazer algo inédito ou um romance?
SEDARIS - Tenho um contrato
para fazer um romance, mas
não consigo. Minha atenção só
dura dez páginas, então imagino que a do meu leitor também.
Foi daí que resolvi fazer um livro de fábulas com animais,
que é meu próximo. É inédito e
traz embutida uma pequena
malandragem: quero economizar o leitor de descrições intermináveis sobre personagens.
Quando digo "Fulano era um
crocodilo", a frase é auto-explicativa. Já se escrevo sobre uma
mulher chamada Lucille, tenho
de contar como ela é...
FOLHA - Sua mãe, Sharon [morta
em 1991], é um dos personagens
mais interessantes.
SEDARIS - É justo dizer que ela é
minha musa. Mas eu sempre
me interesso por relações familiares. Quando conheço alguém, minha primeira pergunta é sobre os pais da pessoa, onde vivem, se tem irmãos. Acho
estranho quando personagens
não têm família.
FOLHA - Você deve odiar então os
quadrinhos da Disney...
SEDARIS - [Risos!] Sim, todos
são tios, sobrinhos e primos!
FOLHA - Você é definido como "escritor de não-ficção". Essa expressão
é verdadeira?
SEDARIS - Exagero muito. Mas
depende sobre quem estou escrevendo e para onde. Por
exemplo, a "New Yorker" tem
um processo de checagem de
fatos muito rigoroso. Sempre
liga uma pessoa pedindo o telefone dos personagens para confirmar se eles disseram o que eu
disse que disseram, se existem.
Odeio escrever lá! [Risos]
FOLHA - E como você concilia os
exageros com a censura prévia da
família? Ou só o fato de você ter escrito sobre algo torna aquilo verdadeiro para eles?
SEDARIS - É exatamente assim.
Se estou contando algo que
aconteceu há muito tempo,
mas com muitas invenções,
eles a princípio olham desconfiados, depois vão dizendo: "É
mesmo! Agora estou lembrando... Foi exatamente assim".
FOLHA - Você parece ser obcecado
por telenovelas norte-americanas.
Um dos principais produtos culturais de exportação do Brasil é justamente a telenovela. De onde você
acha que vem o apelo do gênero?
SEDARIS - O apelo, pelo menos
nos EUA, vem do fato de passarem todos os dias, à tarde, o que
cria uma relação quase familiar
entre o telespectador e os personagens. O enredo não muda
muito: são sempre duas famílias ricas que disputam o poder
de algo. Já fui convidado a escrever para uma telenovela. Sugeri que, como são sempre
"filthy rich" (expressão em inglês que pode ser traduzida como "podres de ricas", mas a palavra "filthy" quer dizer literalmente "imunda"), que as duas
famílias fossem mesmo sujas,
com roupas e casas sujas, sem
tomar banho, e que todos sabiam disso, mas ninguém comentava. Obviamente o argumento foi recusado.
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