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Crítica/"Contos da Lua Vaga'/"O Anjo Embriagado"
Clássicos japoneses têm boas edições
"Contos da Lua Vaga", de Kenji Mizoguchi, e "O Anjo Embriagado", de Akira Kurosawa, demonstram influência do Ocidente
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Kenji Mizoguchi, Akira
Kurosawa e Yasujiro
Ozu são, para quem
desconhece, os três nomes-chave do cinema japonês e têm
uma presença mundial marcante. Os três estão representados num recente e formidável
lote de DVDs editado pela distribuidora Lume.
Deles, Mizoguchi é o que
mais se identifica com a modernidade, o que se poderá observar em "Contos da Lua Vaga",
seu filme mais conhecido internacionalmente. Mizoguchi foi
um pioneiro no uso do plano-seqüência e da profundidade de
campo, bem como autor de fabulosos "travellings" (planos
com a câmera em movimento).
Esses procedimentos não são
meros esteticismos. Mizoguchi
cercava seu assunto de maneira
quase febril. Em "Contos da
Lua Vaga" estamos no território do fantástico. Numa das histórias, um modesto poteiro
abandona a família para atender ao chamado de uma nobre
radiosamente bela. Mas quem
será, de fato, essa mulher assombrosa?
A arte de Mizoguchi está aí:
em nos conduzir calmamente
pelo território escorregadio em
que o real se deixa contaminar
pela imaginação do homem, de
maneira que partilhamos plenamente essa incursão a um
mundo imaginário -ainda que
as decorrências sejam inteiramente materiais.
Embora mais velho que Akira Kurosawa, Mizoguchi tornou-se conhecido no Ocidente
um pouco depois dele, a partir
de sua premiação, em 1952, por
"A Vida de O'Haru" no Festival
de Veneza.
Foi também em Veneza, um
ano antes, que Kurosawa despontou, com "Rashomon" e já
ganhando o Leão de Ouro. Para
os cinéfilos, deixou por muito
tempo a impressão de que seu
cinema era mais aberto à influência ocidental que a de outros expoentes nipônicos. Uma
balela, segundo Nagisa Oshima,
expoente da geração dita da
"nouvelle vague japonesa"
(contemporânea da francesa).
Kurosawa, com efeito, recebeu muita influência de Shakespeare e Dostoievski, mas isso não quer dizer necessariamente muita coisa. Para Oshima, o Japão é especialista em
absorver outras culturas (mesmo os ideogramas, diz, vieram
da China), e a atitude de Kurosawa não o descaracterizaria de
modo algum.
Seu "O Anjo Embriagado" é
uma demonstração em primeiro lugar das preocupações sociais de Kurosawa, já que o médico alcoólatra do filme dedica-se por um lado a combater ignorância e preconceitos passíveis de levar a doenças (a tuberculose, em particular), mas, sobretudo, desafia elementos medievais que persistem na sociedade do pós-guerra, como a Yakuza.
Neste filme de 1948, Kurosawa de certo modo postula de
modo ostensivo a ocidentalização do Japão e o abandono de
hábitos que considera superados. Sem ser uma de suas
obras-primas, a força de Kurosawa está presente, bem como
dois dos atores mais marcantes
de sua obra: Takashi Shimura
(o médico) e Toshiro Mifune (o
mafioso).
Ozu, o terceiro nome deste
trio de ferro não ganhou nenhum prêmio no Ocidente, embora os colecionasse no Japão.
Ficou conhecido entre nós apenas a partir da década de 70 do
século 20, isto é, mais de dez
anos após sua morte. Seu "Pai e
Filha" já foi comentado, em janeiro, na Folha. Apenas para
que não passe em branco, este
é o filme que Lucia Nagib, estudiosa do cinema japonês, considera sua obra-prima.
É um dos maiores, disso não
há dúvida. Hoje, em todo caso,
Ozu é visto como nome central
na história do cinema e, a despeito do tradicionalismo e do
conservadorismo (a idéia de
que o mundo é, afinal, imóvel)
talvez aparentes, Ozu impõe-se
como um dos primeiros e mais
agudos cineastas a perceber e
combater a natureza autoritária do cinema clássico.
Em poucas palavras: em edições de muita qualidade, embora despojadas, o que este pacote japonês traz são três variações do que de mais significativo o cinema já produziu. Não
no Japão. No mundo.
CONTOS DA LUA VAGA
Avaliação: ótimo
O ANJO EMBRIAGADO
Distribuidora: Lume
Quanto: R$ 37,50 (cada um)
Avaliação: bom
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