São Paulo, terça-feira, 17 de junho de 2008

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Crítica/"Contos da Lua Vaga'/"O Anjo Embriagado"

Clássicos japoneses têm boas edições

"Contos da Lua Vaga", de Kenji Mizoguchi, e "O Anjo Embriagado", de Akira Kurosawa, demonstram influência do Ocidente

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Kenji Mizoguchi, Akira Kurosawa e Yasujiro Ozu são, para quem desconhece, os três nomes-chave do cinema japonês e têm uma presença mundial marcante. Os três estão representados num recente e formidável lote de DVDs editado pela distribuidora Lume.
Deles, Mizoguchi é o que mais se identifica com a modernidade, o que se poderá observar em "Contos da Lua Vaga", seu filme mais conhecido internacionalmente. Mizoguchi foi um pioneiro no uso do plano-seqüência e da profundidade de campo, bem como autor de fabulosos "travellings" (planos com a câmera em movimento).
Esses procedimentos não são meros esteticismos. Mizoguchi cercava seu assunto de maneira quase febril. Em "Contos da Lua Vaga" estamos no território do fantástico. Numa das histórias, um modesto poteiro abandona a família para atender ao chamado de uma nobre radiosamente bela. Mas quem será, de fato, essa mulher assombrosa?
A arte de Mizoguchi está aí: em nos conduzir calmamente pelo território escorregadio em que o real se deixa contaminar pela imaginação do homem, de maneira que partilhamos plenamente essa incursão a um mundo imaginário -ainda que as decorrências sejam inteiramente materiais.
Embora mais velho que Akira Kurosawa, Mizoguchi tornou-se conhecido no Ocidente um pouco depois dele, a partir de sua premiação, em 1952, por "A Vida de O'Haru" no Festival de Veneza.
Foi também em Veneza, um ano antes, que Kurosawa despontou, com "Rashomon" e já ganhando o Leão de Ouro. Para os cinéfilos, deixou por muito tempo a impressão de que seu cinema era mais aberto à influência ocidental que a de outros expoentes nipônicos. Uma balela, segundo Nagisa Oshima, expoente da geração dita da "nouvelle vague japonesa" (contemporânea da francesa).
Kurosawa, com efeito, recebeu muita influência de Shakespeare e Dostoievski, mas isso não quer dizer necessariamente muita coisa. Para Oshima, o Japão é especialista em absorver outras culturas (mesmo os ideogramas, diz, vieram da China), e a atitude de Kurosawa não o descaracterizaria de modo algum.
Seu "O Anjo Embriagado" é uma demonstração em primeiro lugar das preocupações sociais de Kurosawa, já que o médico alcoólatra do filme dedica-se por um lado a combater ignorância e preconceitos passíveis de levar a doenças (a tuberculose, em particular), mas, sobretudo, desafia elementos medievais que persistem na sociedade do pós-guerra, como a Yakuza.
Neste filme de 1948, Kurosawa de certo modo postula de modo ostensivo a ocidentalização do Japão e o abandono de hábitos que considera superados. Sem ser uma de suas obras-primas, a força de Kurosawa está presente, bem como dois dos atores mais marcantes de sua obra: Takashi Shimura (o médico) e Toshiro Mifune (o mafioso).
Ozu, o terceiro nome deste trio de ferro não ganhou nenhum prêmio no Ocidente, embora os colecionasse no Japão. Ficou conhecido entre nós apenas a partir da década de 70 do século 20, isto é, mais de dez anos após sua morte. Seu "Pai e Filha" já foi comentado, em janeiro, na Folha. Apenas para que não passe em branco, este é o filme que Lucia Nagib, estudiosa do cinema japonês, considera sua obra-prima.
É um dos maiores, disso não há dúvida. Hoje, em todo caso, Ozu é visto como nome central na história do cinema e, a despeito do tradicionalismo e do conservadorismo (a idéia de que o mundo é, afinal, imóvel) talvez aparentes, Ozu impõe-se como um dos primeiros e mais agudos cineastas a perceber e combater a natureza autoritária do cinema clássico.
Em poucas palavras: em edições de muita qualidade, embora despojadas, o que este pacote japonês traz são três variações do que de mais significativo o cinema já produziu. Não no Japão. No mundo.


CONTOS DA LUA VAGA
Avaliação:
ótimo

O ANJO EMBRIAGADO
Distribuidora:
Lume
Quanto: R$ 37,50 (cada um)
Avaliação: bom


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