São Paulo, quarta-feira, 17 de junho de 2009 |
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Galpão volta à rua
Em "Till Eulenspiegel", sobre um anti-herói medieval, Grupo Galpão reencontra palcos ao ar livre depois de 12 anos
LUCAS NEVES ENVIADO ESPECIAL A BELO HORIZONTE Cria das ruas de Minas, cenário das canções e folguedos que servem de combustível a boa parte de seus espetáculos, o Grupo Galpão volta a elas em "Till Eulenspiegel", seu primeiro trabalho, em 12 anos, concebido para palcos ao ar livre. Depois de "Um Molière Imaginário" (1997), livre recriação de "Um Doente Imaginário", a companhia fundada em 1982 na interseção de circo, farsa e tradições populares repisa espaços abertos para contar a história de um anti-herói da Alemanha medieval, o personagem-título. "A rua traz um risco, desde a chuva até a possibilidade de um bêbado ou um menino cheirando cola entrar em cena, como já aconteceu. Ela deixa a gente em forma, preparado para qualquer situação", diz o diretor Júlio Maciel, 42 -também ator do Galpão, que volta a recrutar um dos seus para a direção depois de um hiato de nove anos. Mas a familiaridade do grupo com a rua, espaço em que chegou a exibir-se sobre pernas-de-pau, no inaugural "E A Noiva Não Quer Casar" (82) e em "Romeu e Julieta" (92), não torna tudo muito mais fácil, previsível? "Não acho que a gente já tenha esse domínio. Na rua, o ator tem de ficar mais alerta, não tem aquela luz em cima dele que o impede de ver o espectador ou, por outro lado, aquela escuridão da caixa preta que de certa forma o protege. A rua não deixa a gente envelhecer, apesar de o corpo não dizer a mesma coisa", brinca Maciel. Primo de nosso Macunaíma, ou seja, preguiçoso que só, Till não quer saber de deixar a boa vida do útero materno. Exasperada pela gravidez de cinco anos, sua mãe aceita que um anão vá "buscar" o rebento -dentro dela, bem entendido, truque possibilitado pela construção de um alçapão no palco. Realizado o parto, Till se mostra encapetado demais para o gosto da progenitora, que o abandona. Começa aí o seu périplo pelo mundo, emendando "bicos" como exorcista da vez ou semiescravo na lavoura de um padre de caráter volátil. No caminho, não se furta a praticar pequenos golpes ou maldades contra comerciantes ou mesmo um trio de peregrinos cegos que, meio instintivamente, busca chegar às torres de Jerusalém. O diabo e suas gravatas A certa altura, despojado de tudo, Till negocia sua consciência com o diabo -um sujeito fino, de calça vermelha de veludo, botas com salto e um colete cheio de gravatas (ou seriam bravatas?), aceno do figurinista Márcio Medina aos poderosos de qualquer época. "A Idade Média é um período muito rico, fértil, de extremas desigualdades, não muito diferente do tempo de agora, onde convivem o desenvolvimento em alguns bolsões e a miséria em outros. São territórios semelhantes", diz o dramaturgo Luís Alberto de Abreu, 57, que, em 99, adaptou do folclore alemão a saga desse parente do português Pedro Malasartes. Leitmotiv das peças recentes do Galpão, a ética -ou os intervalos dela, mais precisamente- reaparece aqui como protagonista. A cegueira da trinca de andarilhos, os trapos vestidos por quase todos os personagens e seu aspecto depauperado são só algumas das remissões a esse vazio moral. "Essa turba de rebotalhos somos nós, que trombamos e nos desesperamos dia após dia com essas falhas de caráter, esse poder discricionário, absolutista. É derrota atrás de derrota. A ética é uma utopia, mas ela precisa estar na ordem do dia", afirma Abreu, cuja parceria com o grupo belo-horizontino começou em 2000, com "Um Trem Chamado Desejo". Em "Till Eulenspiegel", além dos pecadilhos éticos que são a base da intriga, o Galpão reincide em duas de suas marcas: o tom de farsa e a execução ao vivo da trilha sonora por seus integrantes, com direito a trompete, sax, tambor e outros. Depois da contenção de "Pequenos Milagres" (2007), incursão da companhia pelo drama intimista, o que se vê agora é o reencontro com a vibração de "A Rua da Amargura" (1994) ou a mais recente "O Inspetor Geral" (2003). TILL EULENSPIEGEL Quando: estreia no dia 3/7 Onde: pça do Papa, em Belo Horizonte Texto Anterior: Mônica Bergamo Próximo Texto: Cota para negros mobiliza a SPFW Índice |
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