São Paulo, segunda-feira, 17 de julho de 2000


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MÚSICA
Em entrevista por e-mail, cantora diz desejar "passar cetro e coroa" às sucessoras

Semi-reclusa, Rita Lee quer fazer disco new age

Marcelo Min/Folha Imagem
A cantora e compositora Rita Lee, ex-Mutantes e ex-Tutti Frutti, que lança o disco "3001", com elementos de música tecno


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Aos 33 anos de carreira "bossa'n'roll", Rita Lee anda eletrônica e virtual. Semi-reclusa, divulga seu novo CD, o retrofuturista "3001", na TV, mas prefere fugir do assédio explícito da imprensa.
Assim, a ex-mocinha dos Mutantes, ex-mulher de frente do Tutti Frutti e ex-rainha pop na parceria com Roberto de Carvalho escreveu à Folha sobre o status atual, de "roqueira-tecneira" madura, mas só por e-mail.
Recusou o contato cara a cara, mas aceitou diversas rodadas de perguntas e respostas, disparadas antes e depois de ir ao programa de Jô Soares na Globo, antes e depois de ler a crítica publicada quarta-feira na Folha. Leia trechos a seguir.

Folha - Por que o disco abre com a nova "3001" e a regravação de "2001", nesta sequência?
Rita Lee -
Fez o maior sentido, tanto conceitual quanto numérico, estarem nessa sequência. São as duas únicas faixas com a utilização das "eletronicidades" modernas, das quais também sou fã.

Folha - Você pode falar sobre esse sentido conceitual?
Rita -
É um calendário invertido. Em "3001", a raça humana não apresenta sinais da existência de ego subjetivo, tamanho é o envolvimento da ciência sagrada em preservar a vida da Terra. Algum controle é disparado, e o tempo regride até "2001". Lá se verifica como o astronauta libertado -um Homo sapiens distanciado do homem-sapo, um terráqueo distanciado do batráquio- resolvia a difícil parada de sua geração. Foi muito inspirador perceber como a raça humana conseguiu, apesar de tudo, dar certo. Nada como um milênio após o outro.

Folha - Esse papo é um pouco maluco, não?
Rita -
Diga isso para Tom Zé, ele vai dizer que maluco é você.

Folha - Você prefere que se lembrem da versão dos Mutantes de "2001" (69) e a comparem com a nova ou que a ouçam como se fosse uma música inédita?
Rita -
Você insiste nesse nhenhenhém de que me recuso a aceitar a importância histórica dos Mutantes, eta falta de assunto. A versão antiga de "2001", apesar de genial, fazia as pessoas derraparem quando mudava o "caipirês" do refrão para o espacial da segunda parte. Na versão dos Mutantes, peguei a letra de Tom Zé e coloquei meu herói Jeca Tatu como personagem. Hoje, com essa estética violenta de rodeios, meu Jeca pacifista virou torturador de animais e não merece ser mencionado. Mas quem gosta de fazer comparações é perua em dia de festa.

Folha - Por que você está aderindo à linguagem eletrônica agora? É natural ou oportunista, uma necessidade estética ou de mercado?
Rita -
Sempre fui pioneira em utilizar instrumentos eletrônicos, como foi com Theremin, Minimoog, Mellotron, bateria eletrônica Roland e outros. O bacana é que tirei uma porrada desses instrumentos antigões do meu baú de 33 anos de estrada ainda preservados em tonéis de carvalho.
E, por favor, não confunda necessidade com vontade. Já não tenho necessidade de porra nenhuma nessas alturas da vida.

Folha - Vários artistas de sua gravadora têm relido sucessos bregas depois do estouro de "Sozinho", de Peninha, com Caetano Veloso. É a tentativa de perseguir uma fórmula de sucesso comercial?
Rita -
Porra, sr. PAS, isso é jeito de se referir a uma música que regravei em sua homenagem? Sem querer defender minha gravadora, mas defendendo por questão de justiça, Kid Abelha, Ira! e Titãs, que fizeram discos com releituras do começo ao fim, eram de outra gravadora, ou estou enganada? Sou apaixonada por "Erva Venenosa" desde quando lia gibis do "Batman" ouvindo "Poison Ivy", com The Coasters, em 57, antes das fórmulas de sucesso comercial existirem. "Erva Venenosa" sempre foi bacanuda, desde "Bossa'n Roll" tenho ela na cabeça.

Folha - É um problema para um artista com a sua idade e a sua bagagem se posicionar diante da atual indústria fonográfica, que privilegia os hits instantâneos e as músicas de bunda?
Rita -
Pois é, há mais oportunismo nisso, por exemplo, do que eu me deixar influenciar por música eletrônica. Com relação a meus 52 anos de idade, posso dizer que, além de sobriedade, ganho cada vez mais respeito e liberdade para fazer o que quero e bem entendo. Não vejo necessidade de me posicionar diante de porra nenhuma de indústria fonográfica que privilegia música de bunda. Minha bagagem privilegia outros atributos que não os "bundais".

Folha - Como foi dividida a parceria com Zélia Duncan em "Pagu"?
Rita -
Vocês publicaram um pedaço errado da letra de "Pagu". O certo é "meu peito NÃO é de silicone", e não "meu peito é de silicone". Certa vez, Zélia e eu entramos num papo "femealista" e notamos que há um desequilíbrio entre o talento rebolante e o talento pensante das mulheres brasileiras. Depois desse papinho, fiquei inspirada a escrever uma letra, continuando a série mulheres no "phoder". Mandei a letra, ela mandou um blues genial de volta. Resolvi mexer na letra cortando as gordurinhas femininas, mas a música sofreu pequenas mudanças. No fim tudo deu certo, Zélia e eu vivemos felizes para sempre.

Folha - As participações de Zélia e Fernanda Takai são uma forma de você apadrinhar novas "ritas lee"?
Rita -
Elas representam o sanguinho novo feminino com certificado de qualidade. Torço para que, antes de ir para o "túmbalo", eu possa passar elegantemente cetro e coroa para as mãos de minhas queridas sucessoras.

Folha - Depois de "O Amor aos Pedaços", bem chanchadesca, vem a séria "Cobra". Assim como rock e tecno, são extremos conciliáveis?
Rita -
Ué, na sua crítica entendi que "Amor em Pedaços" era o mimo do disco, agora diz que é chanchadesca? É uma balada "jovem-guardesca", Fernandinha e eu levamos a sério nosso dueto de Wanderléa e Martinha. Não se trata de uma chanchada tolinha, é uma homenagem ao estilo ginasiano da época, mas com mais sofisticação na indumentária instrumental. Não se trata de uma música "calça boca de sino", está mais pra terninho Beatles. Na sequência vem "Cobra", que é o avesso -densa, misteriosa, cheia de refúgios sutis, o bicho peçonhento num momento de pura entrega emocional.

Folha - Os Mutantes reconheciam a jovem guarda, mas não deixavam de ironizá-la. Ainda existe essa instância da ironia?
Rita -
A gente meio que ironizava porque a estética e o discurso musical do tropicalismo diferiam bastante dos da jovem guarda. Hoje, com o distanciamento do tempo, percebo que ambos os movimentos foram do cacete. Mas, ainda assim, o visual tropicalista dava um pau no deles.

Folha - O que você ainda sonha fazer no estúdio e ainda não fez?
Rita -
Estou pensando em gravar um disco... Bem, errr... Está bem, vai, estou louca pra gravar um disco new age!

Folha - Como seria isso?
Rita -
Hahá, mistério sempre há de pintar por aí...


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