São Paulo, terça-feira, 17 de julho de 2001

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MÚSICA

De 99, mais recente álbum do Material, banda do baixista e produtor por trás de grandes nomes do pop, chega ao Brasil

Bill Laswell cria a arte do ruído do rap

MARCELO NEGROMONTE
DA REDAÇÃO

"Intonarumori" saiu há tempo suficiente para que o site da prolífica gravadora Axiom (www.axi om-records.com) aparecesse desatualizado no encarte do disco. Lançado em 1999, o mais recente álbum do Material chega agora ao Brasil pela Trama. O homem por trás de Material, banda de forma livre formada em 1979, é o não menos produtivo Bill Laswell, 46, único membro fixo.
Produtor e baixista, o americano já trabalhou com meio mundo do pop mundial, principalmente como produtor. De Ramones e Laurie Carson a O Rappa, Bootsy Collins, Brian Eno, Yoko Ono, Mick Jagger, Iggy Pop e, entre outros, o jazzista Herbie Hancock.
Com o último, Laswell produziu e co-escreveu "Rockit" (1983), uma das músicas fundamentais do hip hop, que ganha este ano remixes de feras das pick-ups, como Mixmaster Mike, Rob Swift e DXT, na trilha do filme "Scratch".
Em "Intonarumori" (Arte do Ruído), Laswell congrega rappers e cantores para mais uma vez ir além do convencional. Laurie Carson (ex-Golden Palominos), Flavor Flav (Public Enemy), Kool Keith, Killah Priest, DXT (também conhecido como Grandmaster D.ST) e outros nomes underground do rap norte-americano juntaram-se ao projeto.
Leia a seguir trechos da entrevista do músico dos músicos, Bill Laswell, que começou quando "hip hop era só uma palavra, não existia como cultura".

Folha - Há uma frase no encarte do disco que diz "rap ainda é uma arte". O que significa esse "ainda"?
Bill Laswell
- Isso foi escrito por Jason Furlow, de uma banda [de hip hop" chamada New Kingdom. E tenho certeza de que ele se refere ao fato de o rap ter vindo de uma cultura que no início era hip hop, que não era guiada pelo entretenimento ou dinheiro como hoje. O que essa frase diz é que ainda há uma cultura, história.

Folha - No Brasil há uma característica marcante, de a maioria dos rappers falarem da "realidade da periferia", violência da qual são vítimas, pobreza etc. Rappers brasileiros raramente falam de outros temas e definitivamente não são pop como são nos EUA. Rap aqui não é ainda gênero musical, mas político. O que você acha disso?
Laswell -
A idéia original é essa. Foi como começou em todos os lugares. O modo como se lida hoje com o rap nos EUA é com milhões de dólares investidos em grupos e artistas, cujo público são jovens. A máquina que faz isso é tão poderosa que as crianças não têm chance, são manipuladas. Mas o que você disse é a essência do hip hop, que é unir, ter a função que a música folk tinha, de transmitir mensagens, descrever situações opressivas.

Folha - Você acha que hip hop é o gênero mais adequado para testar os limites da música?
Laswell -
É a única música repetitiva, que envolve grandes audiências, que permite mudanças sem cair em armadilhas e prisões musicais. Talvez seja a forma mais aberta que a música pop pode abrigar. E hip hop tem o potencial de expandir, experimentar, desconstruir. É difícil para as pessoas adquirirem tempo suficiente para experimentar, ter a sensibilidade, -não entender, porque entender não é a chave para conhecer algo-, mas ter tempo para ouvir música de outras culturas, diferentes combinações sonoras etc.

Folha - E é isso que o Material deve ser, certo?
Laswell -
Sim, de certa maneira.

Folha - Por que o nome do CD é "Intonarumori", a Arte do Ruído, nome do manifesto futurista do compositor Luigi Russolo, de 1913, ligado à música eletrônica?
Laswell -
No início, "Intonarumori" remete a construir ruídos para fazer arte, a gênese do hip hop. O melhor hip hop é a construção, talvez não tão diferente do modo dos futuristas, do cotidiano, sons de indústria, de cidades.

Folha - Você sempre esteve ligado ao hip hop...
Laswell -
Nasci ouvindo r&b, rock, quando era muito garoto, e depois jazz. Quando eu comecei, em 1978/79 (quando conheci Afrika Bambaataa), hip hop era só uma palavra, não havia discos.

Folha - Mas já havia um disco em 78, "Kurtis Blow"...
Laswell -
Mas era chamado rap. A cultura hip hop não havia se estabelecido. Kurtis Blow e Sugar Hill eram rap de verdade, extensão do r&b. O que fez do hip hop a cultura como é conhecida foi a mistura com música eletrônica.


INTONARUMORI - De: Material. Com: Laurie Carson, Killah Priest, Flavor Flav, Kool Keith, Bill Laswell. Gravadora: Axiom/Ryko/Trama. Quanto: R$ 25, em média.


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