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Conselho fantasma
Criado para definir políticas do setor, o Conselho Superior de Cinema não se
reúne há quase um ano e faz com que as decisões se concentrem na Ancine
ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL
Ele nasceu com pinta de todo-poderoso e teve seus dias de
glória. Mas, apesar de ser definido no site do MinC (Ministério da Cultura) como "o órgão
máximo de formulação das políticas públicas do cinema e do
audiovisual", "indispensável
para o país", o Conselho Superior de Cinema praticamente
deixou de existir. E por uma
simples razão: ele não se reúne.
Desconfortáveis com a situação, sete dos nove conselheiros
enviaram, nesta semana, uma
carta ao ministro da Cultura,
Juca Ferreira, e à ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef,
a quem caberia a convocação
do grupo. Em setembro, completa-se um ano sem que haja
reuniões. "A expectativa era de
que acontecessem de três em
três meses", diz Ícaro Martins,
presidente da Apaci (Associação Paulista de Cineastas), um
dos conselheiros.
"O conselho é meramente
decorativo", diz outro de seus
integrantes, Jorge Peregrino,
vice-presidente da Paramount.
"Decorativo seria se nos reuníssemos e não decidíssemos
nada. Ele é inexistente", completa André Sturm, distribuidor, diretor e sócio do HSBC
Belas Artes. Ao ligar para a Casa
Civil, a reportagem da Folha
constatou esse estado de fantasmagoria. "Olha, isso não é
aqui. É no MinC", disse uma
funcionária do gabinete. À insistência, seguiu-se outra resposta: "É melhor você ligar para a Ancine. Quer o telefone?".
Instituído em 2001, por medida provisória, o Conselho foi
pensado com peça-chave da estrutura do cinema. À Ancine
(Agência Nacional de Cinema),
criada na mesma MP, caberia
regular e fiscalizar o setor. Ao
Conselho, formular as suas políticas. E como cinema é, além
de arte, indústria, julgou-se por
bem, em 2003, incorporar ao
grupo, composto por figuras
representativas da atividade,
nove ministros de Estado.
Entre 2003 e 2004, o Conselho ganhou fama ao assumir a
responsabilidade pela aprovação do projeto da Ancinav
(Agência Nacional do Cinema e
do Audiovisual). Composto por
defensores e detratores da
ideia, esteve no meio de um fogo cruzado. "Houve um desgaste muito grande e, no momento
em que o presidente Lula desistiu da Ancinav, o Conselho,
por tudo isso, deixou de se reunir", diz a produtora Mariza
Leão, integrante à época. "Mas
aquilo foi uma guerra e a guerra acabou. É importante que
não se confunda este momento
com aquele."
De fato, nem da parte do governo nem da parte do setor,
parece haver uma ação maquinada para esvaziar o conselho.
Ele, simplesmente, foi deixado
de lado. Este novo grupo, nomeado no final de 2007 pelo
presidente Lula, surgiu quando
os estilhaços da Ancinav já tinham sido recolhidos. Indicados pelos próprios pares, os
conselheiros foram anunciados com alarde e achavam que
teriam muitas missões pela
frente -de definições sobre
publicidade na tela a questões
mercadológicas, como preço de
ingresso e fuga do público das
salas. No fim, reuniram-se apenas para discutir um projeto de
lei que regulamenta a TV por
assinatura e para aprovar o
Fundo Setorial do Audiovisual.
"Toda a política para o setor
está sendo feita pela Ancine.
Mesmo as reuniões que tivemos foram pró-forma", diz Peregrino. "A Ancine dita regras,
aumenta a burocracia e cria
mecanismos de financiamento
sem que isso seja avaliado pelo
conselho. Será que todos os
atos praticados pela Ancine são
legais? Não deveriam ter passado pelo conselho?", completa.
"Os atos são legais. O que não
tem havido é uma política
coordenada e plenamente democrática", responde Martins,
outro conselheiro. "Temos
uma política manca e a Ancine
age com total autonomia."
Sturm também descarta a possível ilegalidade, mas observa:
"Como as políticas não são estabelecidas, a Ancine tem uma
sobreposição de funções".
Manoel Rangel, diretor-presidente da agência, admite que
o conselho faz falta, mas pondera que não é um órgão executivo, nem deliberativo. "Claro
que quando o conselho não se
reúne perde-se a possibilidade
de se reunir a inteligência dos
ministros e dos representantes
do setor. Mas, à parte isso, seguimos diretrizes estabelecidas pelo governo e pelo próprio
conselho, em reuniões anteriores." Rangel diz ainda que, em
26 de junho, solicitou à Casa
Civil a convocação do grupo.
A Casa Civil, por sua vez, informou, por meio da assessoria
de imprensa, que deve ser "demandada" para convocar reuniões e que ninguém poderia
dar entrevistas "porque a agenda do pessoal está apertada". O
MinC não se pronunciou.
Para o conselheiro Paulo
Boccato, a dificuldade para realizar as reuniões "vem da própria importância que foi dada
ao grupo. É difícil que os ministros tenham disponibilidade."
Ou, como diz o conselheiro Ícaro Martins, no Brasil não há
tradição de se governar com a
participação da sociedade. Por
isso, "é mais cômodo não convocar o conselho".
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