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Francesa disseca o novo feminismo
Diretora Agnès Jaoui vê conflito na relação homem-mulher em "Enquanto o Sol Não Vem", seu terceiro longa, que estreia hoje
Cineasta afirma ter notado em si "formas disfarçadas de misoginia e machismo" e diz que "há uma liberação dos homens que não foi feita"
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
"Durante muito tempo, o que
um homem significava para
mim era uma ameaça à minha
liberdade", diz a francesa Agnès
Jaoui, 44, atriz, roteirista, cantora e cineasta, que lança hoje
no Brasil o terceiro longa-metragem em que atua e dirige,
"Enquanto o Sol Não Vem".
O significado de um homem
para uma mulher -e vice-versa- ocupa boa parte da trama,
na qual Jaoui revê suas ideias
sobre o feminismo e também
sobre a discriminação.
"A França não se dá conta de
seus traços colonialistas", diz
ela, que é de origem tunisiana.
No filme, Jaoui vive Agathe,
uma escritora prestes a assumir um cargo político, amparada num sistema de cotas para
representação das minorias.
Por conta da carreira, ela, que
é solteira e sem filhos, retorna à
sua cidade-natal e ao convívio
com a irmã, uma mulher frágil e
emocionalmente dependente
do marido, a quem já não ama.
Entre as duas, está a figura ao
mesmo tempo incômoda e afetiva da empregada de origem
argelina, que as acompanha
desde que eram crianças. Nesta
altura da história, o filho da empregada, nascido na França,
tenta produzir um documentário sobre a "exitosa" Agathe.
Jaoui não quis "falar frontalmente do racismo", por julgá-lo
demasiadamente violento, e
procurou abordar o feminismo
"invocando todos os clichês,
mas tentando ir além deles",
conforme disse à Folha, em entrevista neste mês, em SP.
Convicta de que "se não reconhecermos o erro, o outro
não pode avançar", a diretora e
roteirista deu aos personagens
o traço de "vítimas obcecadas".
Agathe tem a obsessão de defender as mulheres do domínio
masculino. Jaoui emprestou à
personagem "formas disfarçadas de misoginia e machismo"
que descobriu nela mesma, enquanto refletia sobre o significado do feminismo hoje.
Exemplos: "Eu me sinto mal
se não cozinho para a família. E
ficava pouco à vontade enquanto não tive filhos [ela adotou duas crianças no Brasil]".
Essa "culpabilidade que tinha por ser mulher" levou a diretora a observar o comportamento de seus amigos e a concluir: "Há uma liberação dos
homens que não foi feita. Eles
devem continuar a parecer super-heróis, mas não têm mais
as vantagens de antes", afirma.
Embora trate de "vítimas obcecadas" e de questões duras
como a discriminação e os conflitos de gênero, "Enquanto o
Sol Não Vem" tem um desfecho que não tende ao desastre,
assim como os filmes anteriores de Jaoui ("O Gosto dos Outros", "Questão de Imagem").
Referindo-se a ela e ao corroteirista, o ator Jean-Pierre Bacri, que interpreta um jornalista fracassado na profissão e no
amor em "Enquanto o Sol Não
Vem", a cineasta diz: "Somos
pessimistas/otimistas".
A escolha do final-quase-feliz, diz ela, tem a ver com a admiração ressentida que nutre
pela obra do escritor francês
Guy de Maupassant (1850-1893). "Adoro Maupassant.
Mas diria que ele é sádico. Tudo [em sua obra] termina tão
mal! Não quero impor ao meu
público esse tipo de sadismo".
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