São Paulo, sexta-feira, 17 de julho de 2009

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Francesa disseca o novo feminismo

Diretora Agnès Jaoui vê conflito na relação homem-mulher em "Enquanto o Sol Não Vem", seu terceiro longa, que estreia hoje

Cineasta afirma ter notado em si "formas disfarçadas de misoginia e machismo" e diz que "há uma liberação dos homens que não foi feita"

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

"Durante muito tempo, o que um homem significava para mim era uma ameaça à minha liberdade", diz a francesa Agnès Jaoui, 44, atriz, roteirista, cantora e cineasta, que lança hoje no Brasil o terceiro longa-metragem em que atua e dirige, "Enquanto o Sol Não Vem".
O significado de um homem para uma mulher -e vice-versa- ocupa boa parte da trama, na qual Jaoui revê suas ideias sobre o feminismo e também sobre a discriminação.
"A França não se dá conta de seus traços colonialistas", diz ela, que é de origem tunisiana. No filme, Jaoui vive Agathe, uma escritora prestes a assumir um cargo político, amparada num sistema de cotas para representação das minorias.
Por conta da carreira, ela, que é solteira e sem filhos, retorna à sua cidade-natal e ao convívio com a irmã, uma mulher frágil e emocionalmente dependente do marido, a quem já não ama.
Entre as duas, está a figura ao mesmo tempo incômoda e afetiva da empregada de origem argelina, que as acompanha desde que eram crianças. Nesta altura da história, o filho da empregada, nascido na França, tenta produzir um documentário sobre a "exitosa" Agathe.
Jaoui não quis "falar frontalmente do racismo", por julgá-lo demasiadamente violento, e procurou abordar o feminismo "invocando todos os clichês, mas tentando ir além deles", conforme disse à Folha, em entrevista neste mês, em SP.
Convicta de que "se não reconhecermos o erro, o outro não pode avançar", a diretora e roteirista deu aos personagens o traço de "vítimas obcecadas".
Agathe tem a obsessão de defender as mulheres do domínio masculino. Jaoui emprestou à personagem "formas disfarçadas de misoginia e machismo" que descobriu nela mesma, enquanto refletia sobre o significado do feminismo hoje.
Exemplos: "Eu me sinto mal se não cozinho para a família. E ficava pouco à vontade enquanto não tive filhos [ela adotou duas crianças no Brasil]".
Essa "culpabilidade que tinha por ser mulher" levou a diretora a observar o comportamento de seus amigos e a concluir: "Há uma liberação dos homens que não foi feita. Eles devem continuar a parecer super-heróis, mas não têm mais as vantagens de antes", afirma.
Embora trate de "vítimas obcecadas" e de questões duras como a discriminação e os conflitos de gênero, "Enquanto o Sol Não Vem" tem um desfecho que não tende ao desastre, assim como os filmes anteriores de Jaoui ("O Gosto dos Outros", "Questão de Imagem").
Referindo-se a ela e ao corroteirista, o ator Jean-Pierre Bacri, que interpreta um jornalista fracassado na profissão e no amor em "Enquanto o Sol Não Vem", a cineasta diz: "Somos pessimistas/otimistas".
A escolha do final-quase-feliz, diz ela, tem a ver com a admiração ressentida que nutre pela obra do escritor francês Guy de Maupassant (1850-1893). "Adoro Maupassant. Mas diria que ele é sádico. Tudo [em sua obra] termina tão mal! Não quero impor ao meu público esse tipo de sadismo".

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