São Paulo, sábado, 17 de julho de 2010

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"Editor é segundo cérebro de um texto"

Para Chang, jornalismo cultural deve converter informação em conhecimento e superar banalidade da internet

Autor diz que explicar um acontecimento é mais uma necessidade ética do que uma liberdade estética


DA EDITORA DA ILUSTRADA

Leia a continuação da entrevista com o autor peruano Julio Villanueva Chang.
(SYLVIA COLOMBO)

Qual é o papel da linguagem e do estilo narrativo que você adota nesse processo de construção dos personagens?
Assim como há críticos de vinhos, quem escreve um perfil é um crítico de pessoas. Quando você tem a sorte de retratar uma vida extraordinária, é uma oportunidade de unir a estética à crítica.
Quando escrevo uma crônica, ou sua versão mais ambiciosa, que é um perfil, tento converter a informação em conhecimento e o acontecimento em experiência.
Em tempos em que as notícias aparecem de imediato na tela de seu telefone celular, explicar um acontecimento já não é tanto uma liberdade estética, é uma necessidade ética.
Hoje, na imprensa impressa ou na eletrônica, a quase ninguém importa escrever bem ou ser crítico. E confunde-se a crítica com a queixa. O leitor comum, de textos impressos ou eletrônicos, percebe o mundo sobretudo através das palavras.
Quem não se preocupa por "escrever bem" não perde leitores, isso é o de menos. Perde, sim, gente que entenda que diabos está sucedendo e que, assim, se comova, divirta ou se indigne.

Que papel pensa ter a imprensa cultural e revistas como a "Etiqueta Negra" hoje?
Ao olharmos o mundo do presente, a confusão certamente é natural.
Mas não é um tema cultural o fato de médicos acreditarem que séries como "House" aumentam a procura para se estudar medicina? Não é um tema cultural que na Polônia a autoridade que cuida dos menores peça que se investigue se os Teletubbies fomentam a homossexualidade entre as crianças?
Que dizer quando um cozinheiro como Ferran Adrià é o convidado principal da feira de arte mais vanguardista do mundo? Quem me explica por que um refrigerante com cor de urina vende mais que a Coca-Cola no Peru? Ou por que hoje alguns futebolistas brasileiros vão mais à igreja do que às discotecas?
O jornalismo cultural pode ser uma oficina de informação sobre a humanidade.
Hoje, o problema da informação não é tanto o de sua abundância, mas o de sua uniformidade e como, diante da saturação, nos esquecemos de tudo tão rápido.
Para além das entrevistas e das crônicas de fenômenos culturais, em que podemos ser bons historiadores do presente, creio que as revistas são o lugar natural para os experimentos e que a aposta é publicar nelas tudo o que não aparece na internet, cuja incandescência e mutabilidade nos convenceu de que tudo está ali.

Como vê a diferença dos ofícios de escritor e de editor?
Escrever e editar são para mim duas máscaras do ato fundamental de ler.
Me interessa a figura do editor como um segundo cérebro, como cúmplice na mediocridade ou na excelência de um texto. Um editor é um ignorante especialista em fazer boas perguntas.
Escrever e editar é buscar memória. Quando publico meus textos ou os de outros, minha ilusão não é tanto que se chegue a um ponto final, mas que a história tenha um depois de amanhã.


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