São Paulo, sábado, 17 de julho de 2010

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CRÍTICA ROMANCE

Mishima narra história sem redenção de jovem feio e gago


O PERSONAGEM SENTE-SE VÍTIMA DE UMA ESPÉCIE DE COMPLÔ MALIGNO DA EXISTÊNCIA

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

"O Pavilhão Dourado", do escritor japonês Yukio Mishima (1925-1970), conta a vida do aprendiz de sacerdote Mizoguchi e suas experiências no Japão ao final da Segunda Guerra Mundial.
Pobre, feio e gago, o personagem sente-se vítima de uma espécie de complô maligno da existência e transfere para o templo que dá nome ao livro -que já o fascinava antes mesmo de conhecê-lo, pois sempre fora cultuado pelo pai religioso- a carga possível de beleza no mundo, primeiro com amor, em seguida de um modo bem mais violento.
As discussões do personagem e narrador com os amigos de personalidades opostas, a vida na escola do mosteiro e, depois, na universidade, remetem o leitor em muitos momentos para um típico romance de formação: em várias passagens parece que está se lendo uma versão condensada e mais perversa de "O Jogo das Contas de Vidro", de Hermann Hesse.

VISÃO DEFORMADA
Aqui, a "aprendizagem" acontece pela via negativa, pela manutenção das ideias de sempre.
A admiração pelos amigos, o bondoso Tsurukawa e o deficiente e calculista Kashiwagi, apenas reforça as impressões negativas do protagonista, agrava a sua percepção do complô, de ser o centro errado de um mundo que só pode percebê-lo de um mesmo jeito.
"Os portadores de deficiência física possuem a mesma beleza atrevida das mulheres formosas. Ambos estão cansados de ser observados, enjoados de ser objetos de atenção, de ser perseguidos, e reagem aos olhares devolvendo, desafiantes, a sua realidade. A batalha de olhares se vence olhando." Não interessa para quem o olhar do jovem se dirija, contudo: é sempre uma versão deformada de si mesmo que ele verá refletida nos atos da mãe, dos companheiros de escola, do mestre espiritual, das mulheres com as quais não consegue se relacionar.
Daí ser impossível aceitar que durante séculos siga existindo o pavilhão dourado, tão frágil e perfeito. Daí também não existir, para nenhum dos personagens, qualquer tipo de redenção nessa história triste. Um dos mais importantes escritores japoneses do século 20, Mishima teve também uma vida bastante conturbada, que culminou com seu suicídio aos 45 anos.

ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP


O PAVILHÃO DOURADO

AUTOR Yukio Mishima
TRADUÇÃO Shintaro Hayashi
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 48 (288 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo

EXCEPCIONALMENTE
hoje não é publicada a coluna "Painel das Letras"



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