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CRÍTICA ROMANCE
Em fábula desencantada, maldade é uma expressão da fraqueza humana
JOÃO PEREIRA COUTINHO
COLUNISTA DA FOLHA
Joseph Walser é um pobre
diabo, embora seja mais correto afirmar que Walser é um
fraco diabo. A cidade está em
guerra, o inimigo invadiu os
espaços. Existe destruição e
morte. E a mulher está romanticamente envolvida
com o encarregado da fábrica onde Walser trabalha. E
Walser?
Walser não reage. A guerra
e a violência não passam de
"acontecimentos enfadonhos". As marcas físicas da
destruição urbana devem ser
ignoradas ou evitadas. O
adultério da mulher não lhe
merece o mais leve reparo.
E, sobre a morte nas ruas,
a atenção de Walser concentra-se num único cadáver.
Corrijo: na fivela do cinto de
um cadáver. Um objeto precioso para a sua irracional
coleção de objetos metálicos.
Eis as paixões de Walser:
coisas; objetos; matéria. A felicidade não reside no espírito; a felicidade está nas rotinas tangíveis com que Walser observa, mede, cataloga a
sua coleção; e, é claro, na
máquina que Walser opera e
com a qual tem uma relação
próxima, dir-se-ia até emocional: quando a máquina
para no fim do expediente,
Walser concede-se ao único
minuto de tristeza do dia.
Não é de admirar, por isso,
que quando a máquina, em
momento de distração, lhe
amputa um dedo, a verdadeira dor para Walser não está
na amputação propriamente
dita. Está no inevitável afastamento da máquina.
"A Máquina de Joseph
Walser" integra-se na tetralogia que Gonçalo M. Tavares,
um dos mais aclamados (e
prolíficos) escritores portugueses da nova geração, dedicou ao tema do Mal. Mas,
neste caso, o Mal não está
apenas na destruição bélica e
na dissolução moral que rodeiam o anti-herói.
O autor entende que o Mal,
à semelhança do que sugerem os textos sacros da tradição judaico-cristã, é uma expressão da fraqueza humana; ou, em Walser, o Mal reside na biografia de "um homem sem qualidades" que
transformou sua indiferença
e sua mediocridade numa
forma perversa de soberba.
Como no poema de Goethe, Walser é o homem que
nega. Nega o sentimento de
amor por alguém; nega a
vontade de ser mais e melhor
do que é; nega, enfim, a vida
e as suas contingências, como se a existência humana
fosse apenas uma interminável sucessão de rotinas geométricas. E maquinais. Não
conheço maior inferno.
A MÁQUINA DE JOSEPH
WALSER
AUTOR Gonçalo M. Tavares
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 39 (168 págs.)
AVALIAÇÃO bom
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