São Paulo, sexta, 17 de julho de 1998

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NOVAS GRAVADORAS
Abril e Trama se definem ambiciosas

Paulo Giandalia/Folha Imagem
Os diretores da Abril Music, Jean Marcel Jr. (comercial), Brian Butler (artístico) e Cláudio Campos (marketing)


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

Paradoxo: em fase de retração no mercado fonográfico -as vendas no segundo trimestre deste ano foram 15% inferiores às equivalentes em 97, segundo a ABPD (Associação Brasileira de Produtores de Discos), e essa tem sido a tendência do setor em 98-, duas novas gravadoras chegam ao cenário com discursos ambiciosos.
Os núcleos formadores de ambas resultam da cisão de um selo independente, Excelente. Um dos donos, Brian Butler, 31, é diretor artístico da Abril Music, braço fonográfico da empresa homônima.
Seu ex-sócio, Carlos Eduardo Miranda, é um dos dois diretores artísticos da Trama, resultado da sociedade entre o grupo VR (Vale-Refeição) e o músico e produtor João Marcello Bôscoli, 27.
"É natural as empresas estarem se interessando por música. O mercado musical brasileiro é bom, os caras querem ganhar dinheiro", afirma Miranda.
"Nosso diferencial é fazer parte de um "estúdio de entretenimento'. A Abril está entrando nessa para revolucionar a idéia de entretenimento, com uma engrenagem que dispõe de publicações, da MTV, de TV paga, de serviços on line", afirma o diretor de marketing da Abril Music, Cláudio Campos, 33. O montante envolvido no projeto ele não revela. Tanto a diretoria do grupo Abril quanto a do grupo VR não se pronunciaram sobre as novas gravadoras.
Ele aprofunda a pretensão da gravadora, que define como independente ("porque não é multinacional"): "Nossa meta é, em três anos, estar competindo de igual para igual com as multinacionais".
Seu discurso repudia a possibilidade de que se inaugure uma relação viciada entre a Abril gravadora e a outra, jornalística, ou a rede musical MTV. "Não haverá reportagem chapa branca, a MTV vai se interessar pelas bandas que já têm a ver com ela. O fato de ser a Abril pode dar uma idéia corporativa, mas vamos manter o espírito independente, sem amarras", diz.
Embora o carro-chefe da primeira leva de lançamentos -no início de setembro- seja "Carnaval na Obra", da banda pernambucana Mundo Livre S/A, que até hoje não caiu nas graças do mercado de massa, a empresa pretende investir em produtos mais comerciais.
Constam da primeira leva uma dupla sertaneja (Beto e Hélio) e uma cantora infantil (Dani Mel). O cast da Excelente, com a surf music dos Ostras e o pop latinizado do Acabou la Tequila, também está embrulhado no pacote.
João Marcello Bôscoli, auto-intitulado presidente da Trama, prefere estacionar a retórica ambiciosa no terreno artístico.
"Vai dar lucro, mas não há preocupação comercial. O VR é apaixonado por música há muito tempo. Seu presidente, Abraham Szajman, é presidente do Sesc e do Senac. Não é um grupo que olhe para a música querendo ganhar dinheiro pra caramba."
Definindo a proposta da Trama como a de constituir uma "Motown brasileira nos 90" (referência à ex-meca do pop negro dos EUA), inclusive com a construção de estúdio próprio, Bôscoli crava: "Humildemente, digo que a Trama vai fazer história".
Os dois primeiros lançamentos, previstos para agosto, são dos artistas Cláudio Zoli, herdeiro do triunvirato negro Tim Maia-Cassiano-Hyldon, que segue carreira solo errática desde o fim de sua banda de origem, Brylho, e Otto, ex-integrante do Mundo Livre S/A.
Zoli agradece o resgate: "Para mim, foi importante encontrar pessoas que dão valor ao meu trabalho. Nunca houve no Brasil diretor artístico, a figura do "caça-talentos'. Isso faz falta".
Tanto Abril quanto Trama constituem equipes com integrantes egressos de experiências anteriores no universo independente.
A Abril tem três diretores -o artístico, Butler, veio da Excelente; o comercial, Jean Marcel Jr., armou o esquema de distribuição da Paradoxx; e o de marketing, Cláudio Campos, trabalhou na Top Tape. Na Trama, há João Paulo Mello, ex-presidente da Virgin e ex-contratado da independente Eldorado (divisão internacional).
Essa é outra marca comum: Trama e Abril devem incorporar lançamentos não-brasileiros. A primeira guarda segredo sobre nomes; Butler esteve nesta semana nos EUA fechando contratos de licenciamento com selos de dance, blues e country -também sem nomes, por enquanto.
O quesito diversidade é outra promessa. A Abril se subdivide em vários selos. Excelente continua a existir, cobrindo o setor pop-rock. Outros selos se deterão em sertanejo romântico, infantil, samba-axé-pagode e instrumental.
A Trama, embora pretenda se centrar em pop contemporâneo, finalizava nesta semana contrato com a Banda de Pífanos de Caruaru, que existe há mais de sete décadas. "Estão velhinhos, não sei quanto tempo estarão aí ainda. Quero gravar quatro ou cinco discos deles de uma vez, aí vemos como lançar", diz Bôscoli.
"Mas estou de olho em coisas eletrônicas, black, MPB tradicional, rock. É muito sortido", diz.
Trama e Abril dizem priorizar, também, habitual calcanhar-de-aquiles das "indies": a distribuição do produto. A Trama opta pela distribuição por uma empresa independente contratada.
A Abril espera se valer do esquema já azeitado da editora. "A empresa tem logística forte, de entrega de casa em casa. Meu trabalho é adaptar essa estrutura para lojas de discos", afirma Jean Marcel Jr. "Começaremos a testar o esquema em 15 de agosto, e no dia 1º de setembro já começo a faturar."
Outro ponto de convergência: o discurso ambicioso contrasta com a ausência, em ambos os casos, de nomes de peso do cenário.
"Não pretendemos roubar figurões de gravadora, vamos fazer nosso próprio catálogo, investir em novos nomes", afirma Cláudio Campos. "Quero um elenco novo, de gente que ainda não teve oportunidade", concorda Bôscoli. Os novos dados estão lançados no tabuleiro.



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