São Paulo, sexta, 17 de julho de 1998

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ERUDITO
Alicia de Larrocha se apresenta hoje no Festival de Inverno de Campos de Jordão
Pianista "reserva' é melhor que titular

IRINEU FRANCO PERPETUO
especial para a Folha

Uma substituta é a atração mais sofisticada do 29º Festival de Inverno de Campos do Jordão. Graças ao cancelamento da turnê brasileira do pianista russo Evgueni Kíssin, 27, a grande dama espanhola do piano, Alicia de Larrocha y de la Calle, 75, tocará no festival.
Elegante em Mozart, apaixonada em Schumann e idiomática nos compositores espanhóis, Alicia de Larrocha é uma aristocrata do teclado que deu seu primeiro concerto aos cinco anos de idade e imortalizou seu nome em uma série de gravações notáveis, vencedoras de vários Grammy.
Foi parceira de música de câmera de astros como Gaspar Cassadó (violoncelo), Montserrat Caballé e Victoria de Los Angeles (sopranos) e dos quartetos de cordas Guarneri e Emerson.
No Brasil, seu recital será dedicado a Schumann e dois autores de seu país: Albéniz e Turina.
Alicia de Larrocha falou com exclusividade à Folha, por telefone, do Rio de Janeiro, onde começou sua turnê brasileira.

Folha - De Schumann, a sra. deveria interpretar a "Fantasia op. 17", mas acabou trocando-a por "Carnaval op. 9". Por quê?
Alicia de Larrocha y de la Calle -
Queriam que eu tocasse a "Fantasia op. 17", mas é uma obra muito difícil para pianista e público. Se não for um público muito musical, é uma obra muito dura de entender. Então, propus a troca por "Carnaval".
Folha - A sra. está sempre divulgando os autores espanhóis.
Alicia -
Sempre não, só quando me pedem (risos).
Folha - Para a sra., há características especiais da música espanhola para o teclado?
Alicia -
Temos quatro grande compositores -poucos, mas geniais. Granados é o compositor romântico; depois, temos Albeniz, que, quando vivia em Paris, foi influenciado pelo Impressionismo; temos Falla, que é puro "cante jondo" -o que não é o mesmo que flamenco- e, ainda, Turina, que é o típico sevilhano. Mas os quatro são muito distintos entre si.
Folha - Como é sua relação com Schumann?
Alicia -
Toco sua música desde jovem e tenho muita afinidade, pois ele era geminiano, como eu.
Folha - O que há de geminiano na música de Schumann?
Alicia -
A fantasia, o gênio... coisas que os outros não têm.
Folha - A sra. tem planos de gravação?
Alicia -
Não, porque há quatro discos meus já gravados que ainda não saíram.
Folha - Todos pela BMG?
Alicia -
Sim, a gravadora está em uma crise tremenda e não produz nem lança nada. Ou melhor: só lança aquilo que eles acham que vai dar dinheiro, o mais comercial.
Folha - A crise não é de todo o mercado?
Alicia -
Sim, mas a BMG está pior do que as outras.
Folha - Ainda restam coisas no repertório que a sra. gostaria de fazer e não fez?
Alicia -
Muitíssimas, mas, agora, é tarde demais. Só posso vir a fazer coisas novas de compositores que conheço muito bem, como Beethoven, Schumann e outros autores que já toco.
Folha - A sra. sabe que foi chamada para substituir o russo Evgueni Kíssin. Qual sua opinião a respeito dele?
Alicia -
Um gênio. Um verdadeiro fenômeno. Ele é fora do normal. Como dizem os americanos, "out of this world".
Folha - Apesar de ter começado a tocar piano muito cedo, a sra. nunca se considerou uma criança-prodígio?
Alicia -
Eu não comecei nunca, porque já nasci em casa de músicos, e, desde bebê, o piano era meu brinquedo.
Folha - A sra. aprendeu primeiro a ler as notas ou o alfabeto.?
Alicia -
As notas. Meu brinquedo era o piano. Até que, um dia, eu estropiei tanto o piano, tirando suas teclas para pintar, que minhas tias o trancaram com chave. Daí foi realmente meu começo. Fiquei tão desesperada que batia a cabeça no chão, saindo sangue. Depois de tanto drama, resolveram me devolver o piano. Talvez esse tenha sido o meu começo de verdade.



Concerto: Alicia de Larrocha y de la Calle (piano) Onde: auditório Cláudio Santoro (av. Dr. Arrobas Martins, 1.880, tel. 012/262-2334, Campos do Jordão) Quando: hoje, às 21h Quanto: R$ 10


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