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GASTRONOMIA
Cozinhe o lobo que bate à sua porta
JOSIMAR MELO
em L'Isle sur la Sorgue (França)
Com o lançamento em português de "Como Cozinhar um Lobo" são agora dois os livros da autora americana M.F.K. Fisher ao
alcance do público brasileiro. A
mesma editora, Companhia das
Letras, já havia editado "Um Alfabeto Para Gourmets".
Meu primeiro contato com sua
obra foi tardia; por várias razões,
fui mais familiarizado com autores gastronômicos franceses.
Até deparar-me, uns dez anos
atrás, numa livraria americana,
com um grosso volume de nome
atraente: "The Art of Cooking".
Uma compilação de cinco livros
de Fisher.
Ainda na livraria, folheando de
pé algumas páginas, percebi o interesse não apenas gastronômico,
mas também literário, da autora.
Que aliás, num primeiro momento, para mim não tinha sexo: ou
melhor, na falta de maior definição, M.F.K. provavelmente seria
um homem.
Em meia dúzia de parágrafos,
porém (e mesmo sem contar com
a ajuda da língua inglesa, que não
define os gêneros com facilidade),
percebi os contornos femininos
da autora.
Uma certa verve, um tom de delicadeza, e ao mesmo tempo uma
língua deliciosamente afiada, que
poucos homens conseguem ter.
Em "Como Cozinhar um Lobo", este estilo loquaz e ferino se
coloca a favor de uma nobre causa. O título se refere à expressão
em inglês ("o lobo batendo na
porta") que descreve uma situação de fome iminente. A situação
de guerra, em que a comida -ou
antes, os ingredientes- é escassa.
Em tal situação, duas atitudes
são possíveis: o desespero, temperado com mesquinho controle de
mantimentos; ou a criatividade,
em que dados os alimentos disponíveis, é preciso antes de mais nada sabedoria para aproveitá-los de
forma não somente eficaz, mas
também aprazível.
Esse último partido é o adotado,
com bom humor e inteligência,
por M.F.K. Fisher. Numa prosa
tão saborosa que levou o poeta
W.H. Auden (outro que abusa de
iniciais enigmáticas) a dizer:
"M.F.K. Fisher é tão talentosa como escritora quanto como cozinheira. Na realidade, não conheço
ninguém nos Estados Unidos
atualmente que escreva melhor
prosa".
O que o leva a concluir que
"embora contenha bom número
de receitas, (seus livros) são mais
para a biblioteca que para a cozinha".
Escrito em 1942 (depois de belas
obras como "Serve It Forth", de
1937, que a consagrou como autora gastronômica, e "Consider the
Oyster", de 41), "Como Cozinhar
Um Lobo" fala de coisas menos
distantes dos brasileiros do que
pode parecer à primeira vista.
Para o Brasil
A gritante contradição de um
país miserável e faminto onde os
miúdos -embora baratos, nutritivos e saborosos- são encarados
com verdadeiro nojo, aparece nos
comentários escritos 50 anos atrás
por ela (leia trecho nesta página).
Uma lição inteiramente atual.
M.F.K. Fisher nasceu (em 1908) e
morreu (1992) nos Estados Unidos.
Mas viveu na França ainda bem
jovem (fez faculdade em Dijon), e
chegou a escrever dois livros sobre
seus tempos passados por aqui na
Provence, sul da França, onde no
momento divido as atenções do
sol e do Mistral. Deve ter sido sua
melhor escola sobre como fazer
do comer e cozinhar um prazer e
uma arte.
Obra: Como Cozinhar um Lobo
Autora: M.F.K. Fischer
Tradução: Pedro Maia Soares
Lançamento: Cia. das Letras
Quanto: R$ 26,50 (256 págs.)
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