São Paulo, sexta, 17 de julho de 1998

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GASTRONOMIA
Cozinhe o lobo que bate à sua porta

JOSIMAR MELO
em L'Isle sur la Sorgue (França)

Com o lançamento em português de "Como Cozinhar um Lobo" são agora dois os livros da autora americana M.F.K. Fisher ao alcance do público brasileiro. A mesma editora, Companhia das Letras, já havia editado "Um Alfabeto Para Gourmets".
Meu primeiro contato com sua obra foi tardia; por várias razões, fui mais familiarizado com autores gastronômicos franceses.
Até deparar-me, uns dez anos atrás, numa livraria americana, com um grosso volume de nome atraente: "The Art of Cooking". Uma compilação de cinco livros de Fisher.
Ainda na livraria, folheando de pé algumas páginas, percebi o interesse não apenas gastronômico, mas também literário, da autora. Que aliás, num primeiro momento, para mim não tinha sexo: ou melhor, na falta de maior definição, M.F.K. provavelmente seria um homem.
Em meia dúzia de parágrafos, porém (e mesmo sem contar com a ajuda da língua inglesa, que não define os gêneros com facilidade), percebi os contornos femininos da autora.
Uma certa verve, um tom de delicadeza, e ao mesmo tempo uma língua deliciosamente afiada, que poucos homens conseguem ter.
Em "Como Cozinhar um Lobo", este estilo loquaz e ferino se coloca a favor de uma nobre causa. O título se refere à expressão em inglês ("o lobo batendo na porta") que descreve uma situação de fome iminente. A situação de guerra, em que a comida -ou antes, os ingredientes- é escassa.
Em tal situação, duas atitudes são possíveis: o desespero, temperado com mesquinho controle de mantimentos; ou a criatividade, em que dados os alimentos disponíveis, é preciso antes de mais nada sabedoria para aproveitá-los de forma não somente eficaz, mas também aprazível.
Esse último partido é o adotado, com bom humor e inteligência, por M.F.K. Fisher. Numa prosa tão saborosa que levou o poeta W.H. Auden (outro que abusa de iniciais enigmáticas) a dizer: "M.F.K. Fisher é tão talentosa como escritora quanto como cozinheira. Na realidade, não conheço ninguém nos Estados Unidos atualmente que escreva melhor prosa".
O que o leva a concluir que "embora contenha bom número de receitas, (seus livros) são mais para a biblioteca que para a cozinha".
Escrito em 1942 (depois de belas obras como "Serve It Forth", de 1937, que a consagrou como autora gastronômica, e "Consider the Oyster", de 41), "Como Cozinhar Um Lobo" fala de coisas menos distantes dos brasileiros do que pode parecer à primeira vista.
Para o Brasil

A gritante contradição de um país miserável e faminto onde os miúdos -embora baratos, nutritivos e saborosos- são encarados com verdadeiro nojo, aparece nos comentários escritos 50 anos atrás por ela (leia trecho nesta página). Uma lição inteiramente atual.
M.F.K. Fisher nasceu (em 1908) e morreu (1992) nos Estados Unidos.
Mas viveu na França ainda bem jovem (fez faculdade em Dijon), e chegou a escrever dois livros sobre seus tempos passados por aqui na Provence, sul da França, onde no momento divido as atenções do sol e do Mistral. Deve ter sido sua melhor escola sobre como fazer do comer e cozinhar um prazer e uma arte.

Obra: Como Cozinhar um Lobo Autora: M.F.K. Fischer Tradução: Pedro Maia Soares Lançamento: Cia. das Letras Quanto: R$ 26,50 (256 págs.)


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