|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TEATRO
Censura a "Roda Viva' faz 30 anos amanhã
NELSON DE SÁ
da Reportagem Local
Amanhã se completam 30 anos
do espancamento, em São Paulo,
dos atores da peça "Roda Viva"
pelo Comando de Caça aos Comunistas (CCC). O musical, que havia
estreado em janeiro no Rio, é o
marco de 1968 no teatro brasileiro.
Foi escrito, composto e produzido por Chico Buarque e dirigido
por José Celso Martinez Corrêa.
Fala de um cantor, Benedito Silva,
que um empresário transforma no
ídolo popular Ben Silver e que, como tal, é consumido até o suicídio.
Na descrição do diretor, na época, "Roda Viva" é a história de
um fenômeno nacional escrita por
outro fenômeno nacional. Chico
Buarque, depois de muito negar,
confirmaria que a peça tem "um
tema de experiência pessoal".
Chico Buarque vinha do sucesso
da canção "A Banda" e era chamado de "a unanimidade nacional" por Millôr Fernandes. A peça
revelou outro Chico Buarque.
"Nunca disse a ninguém que era
bonzinho", declarou ele. "Criaram essa imagem."
A peça foi encenada em 25 dias
por José Celso, que reestruturou,
na descrição de Chico Buarque, o
texto. O espetáculo foi o primeiro
que o diretor concentrou no coro,
levado posteriormente aos espetáculos de seu grupo Oficina.
Embora sucesso, chocou. Três
cenas: o coro despedaça fígado cru
como se devorasse o ídolo e o sangue respinga no público; um militar defeca no capacete; atores perguntam aos espectadores, na platéia, "você já matou seu comunista hoje?".
Nas palavras de Zuenir Ventura,
no livro "1968, O Ano que Não
Terminou": "Talvez nunca
-nem antes nem depois- os palcos nacionais tenham assistido a
explosão tão violenta". As reações, também violentas, vieram à
direita e à esquerda.
Primeiro, à direita. Parecer da
censora, logo depois da estréia:
"Seus autores e intérpretes deveriam ser levados ao manicômio judiciário a fim de que, das celas,
meditassem, medindo a que ponto
chega a periculosidade de tal entretenimento".
À esquerda, do crítico literário
Anatol Rosenfeld: "Ira vomitando visões obscenas... A mera provocação, por si mesma, é sinal de
impotência. É descarga gratuita e,
sendo descarga o que comunica ao
público, chega a aliviá-lo no seu
conformismo".
Talvez estivessem todos como as
fãs do cantor, na descrição de Yan
Michalski, em crítica no "Jornal
do Brasil": "Nunca vi um público
mais desorientado e perdido do
que o fã-clube de Chico Buarque,
que lotava completamente o teatro".
Em que pese a reação à esquerda,
foi à direita que os ataques se avolumaram. Outro censor, após a estréia paulista: "O autor, um débil
mental de nome Francisco Buarque de Hollanda, criou uma peça
que não respeita a formação moral
do espectador".
Do vice-presidente da Assembléia Legislativa: "Aquilo que eu
vi e ouvi em "Roda Viva' não pode ser chamado de arte. Aquilo é
despudor, aquilo é destruir uma
família na sua moral, amolecer
uma nação. Aquilo é um bordel,
não um palco".
Não chega a ser surpresa, pelo
ambiente, que o CCC tenha reunido dezenas de militantes para, na
noite de 18 de julho, deixar a platéia no fim da apresentação, espancar 19 atores e desnudar e seviciar atrizes.
"Roda Viva" sofreria novo
atentado na estréia em Porto Alegre, quando dois atores foram sequestrados e depois abandonados
-e o elenco, retirado do hotel e
embarcado para São Paulo. Foi a
última apresentação, dia 3 de outubro.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|