São Paulo, sexta, 17 de julho de 1998

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TEATRO
Censura a "Roda Viva' faz 30 anos amanhã

NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

Amanhã se completam 30 anos do espancamento, em São Paulo, dos atores da peça "Roda Viva" pelo Comando de Caça aos Comunistas (CCC). O musical, que havia estreado em janeiro no Rio, é o marco de 1968 no teatro brasileiro.
Foi escrito, composto e produzido por Chico Buarque e dirigido por José Celso Martinez Corrêa. Fala de um cantor, Benedito Silva, que um empresário transforma no ídolo popular Ben Silver e que, como tal, é consumido até o suicídio.
Na descrição do diretor, na época, "Roda Viva" é a história de um fenômeno nacional escrita por outro fenômeno nacional. Chico Buarque, depois de muito negar, confirmaria que a peça tem "um tema de experiência pessoal".
Chico Buarque vinha do sucesso da canção "A Banda" e era chamado de "a unanimidade nacional" por Millôr Fernandes. A peça revelou outro Chico Buarque. "Nunca disse a ninguém que era bonzinho", declarou ele. "Criaram essa imagem."
A peça foi encenada em 25 dias por José Celso, que reestruturou, na descrição de Chico Buarque, o texto. O espetáculo foi o primeiro que o diretor concentrou no coro, levado posteriormente aos espetáculos de seu grupo Oficina.
Embora sucesso, chocou. Três cenas: o coro despedaça fígado cru como se devorasse o ídolo e o sangue respinga no público; um militar defeca no capacete; atores perguntam aos espectadores, na platéia, "você já matou seu comunista hoje?".
Nas palavras de Zuenir Ventura, no livro "1968, O Ano que Não Terminou": "Talvez nunca -nem antes nem depois- os palcos nacionais tenham assistido a explosão tão violenta". As reações, também violentas, vieram à direita e à esquerda.
Primeiro, à direita. Parecer da censora, logo depois da estréia: "Seus autores e intérpretes deveriam ser levados ao manicômio judiciário a fim de que, das celas, meditassem, medindo a que ponto chega a periculosidade de tal entretenimento".
À esquerda, do crítico literário Anatol Rosenfeld: "Ira vomitando visões obscenas... A mera provocação, por si mesma, é sinal de impotência. É descarga gratuita e, sendo descarga o que comunica ao público, chega a aliviá-lo no seu conformismo".
Talvez estivessem todos como as fãs do cantor, na descrição de Yan Michalski, em crítica no "Jornal do Brasil": "Nunca vi um público mais desorientado e perdido do que o fã-clube de Chico Buarque, que lotava completamente o teatro".
Em que pese a reação à esquerda, foi à direita que os ataques se avolumaram. Outro censor, após a estréia paulista: "O autor, um débil mental de nome Francisco Buarque de Hollanda, criou uma peça que não respeita a formação moral do espectador".
Do vice-presidente da Assembléia Legislativa: "Aquilo que eu vi e ouvi em "Roda Viva' não pode ser chamado de arte. Aquilo é despudor, aquilo é destruir uma família na sua moral, amolecer uma nação. Aquilo é um bordel, não um palco".
Não chega a ser surpresa, pelo ambiente, que o CCC tenha reunido dezenas de militantes para, na noite de 18 de julho, deixar a platéia no fim da apresentação, espancar 19 atores e desnudar e seviciar atrizes.
"Roda Viva" sofreria novo atentado na estréia em Porto Alegre, quando dois atores foram sequestrados e depois abandonados -e o elenco, retirado do hotel e embarcado para São Paulo. Foi a última apresentação, dia 3 de outubro.



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