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TEATRO
Simplicidade é o principal mérito de "O Encontro das Águas"
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
A simplicidade é talvez a
conquista mais difícil em
teatro. Despojar uma fábula de
qualquer tentação de clichê ou demonstração técnica, dar conta do
seu essencial de modo desarmante atingindo a todos simultaneamente é uma façanha que em geral marca a maturidade de um
criador. É o caso de "O Encontro
das Águas".
Antes de tudo, o texto de Sérgio
Roveri lida com temas delicados
sem perder o humor e a poesia
nem cair em uma idealização automistificadora.
Retrata, quase em tempo real, o
encontro casual entre Marcelo,
desesperado por ter causado a
morte daquele por quem começava a se apaixonar, e Apolônio, que
o encontra em cima da ponte,
pronto para se jogar.
A simplicidade no tom e na narrativa garante que o espetáculo
não caia nunca no melodrama. A
intensidade da situação dramática faz com que mesmo um personagem do qual temos poucas pistas, como Apolônio, acabe ganhando uma aura de fábula: estaria ele ali como um anjo guardião,
ou um "justo" da tradição judaica, para dissuadir os suicidas?
No entanto, ele não tem nada de
herói; recita poesias famosas como se fossem suas e talvez seu
único objetivo consciente seja
vender as pulseiras que fabrica.
Marcas da direção
O grande mérito da direção de
Alberto Guzik é o de se fazer invisível. No exíguo espaço cênico dos
Satyros, um corredor entre duas
arquibancadas concebido originalmente para a apresentação de
"Kaspar", em cartaz no local, as
marcas às vezes se fazem repetitivas, mas nunca roubam a cena.
A experiência de Guzik vale sobretudo para orientar os jovens
atores na incorporação das marcas e na interiorização dos tempos
-e ele tem sólidos aliados para
isso na delicada trilha de Tunica
Teixeira e nos figurinos de Leopoldo Pacheco e Carol Badra.
José Roberto Jardim faz Apolônio com grande carisma, ameaçador na sua força, sedutor na exposição de sua fragilidade. Pedro
Henrique Moutinho, no papel de
Marcelo, tem o grande mérito de
expor um amor que por acaso é
homossexual, sem nenhuma caracterização desnecessária, denunciando apenas de quando em
quando sua inexperiência com
uma leve recitação nas falas.
Fábula sem moral clara e com final aberto, tem o curioso mérito
de dar impressão de pessimismo
aos tristes e otimismo aos esperançosos, o que é sinal de grande
elegância.
Dá conta, sobretudo, de um
momento sempre gratificante para o público, que é o de testemunhar um encontro transformador
entre duas pessoas que mal se conhecem, mas que por isso mesmo
são responsáveis por dar mutuamente sentido às suas vidas, essa
profissão humana, como diria
Camus.
A falta de arrogância, na simplicidade de intenções do projeto,
acaba se constituindo em uma
ambição tácita plenamente realizada na montagem.
"O Encontro das Águas", sem
alarde, acaba marcando profundamente: é uma peça para levar
um grande amigo ou um grande
amor.
O Encontro das Águas
Texto: Sérgio Roveri
Direção: Alberto Guzik
Com: José Roberto Jardim e Pedro
Henrique Moutinho
Quando: às ter. e qua., às 21h30; até o
final de setembro
Onde: Espaço dos Satyros (pça. Franklin
Roosevelt, 214, República, SP, tel. 0/xx/
11/ 3258-6345)
Quanto: R$ 10
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