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CARLOS HEITOR CONY
Enfim, o fim da história
A Idade de Ouro poderá começar, financiada por donos de bingos e bois do Renan Calheiros
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PERGUNTA QUE me fizeram e
não soube responder: uma sociedade feliz, integralmente
realizada, precisará ainda de jornais,
revistas, rádios e TVs? Antes de mais
nada, não será a mídia a única a se
tornar inútil num mundo ideal onde
todos os problemas pessoais e coletivos estejam resolvidos.
A maioria das atividades que a humanidade até agora foi obrigada a
exercer terá o prazo de validade vencido; policiais e dentistas, por exemplo, serão ociosos, já que desde crianças evitaremos doces que
criam cárie, e não haverá bandidos
que justifiquem o aparato policial.
Nossas instalações sanitárias e
elétricas serão perfeitas, irretocáveis, com materiais não-degradáveis, daí que eletricistas e bombeiros
também serão inúteis. No plano social, aí mesmo é que sociólogos, psicólogos, cientistas políticos, terapeutas de diversas origens e finalidades nada terão a fazer num universo que atingiu o ponto máximo e ótimo das relações humanas, em todas as suas manifestações.
Bem, há os jornalistas, ou para
maior abrangência, os profissionais
da comunicação. Esses também serão varridos da história por desnecessários ou redundantes.
Os aviões não cairão, os políticos
se entenderão, ninguém será corrupto, ninguém será laranja de ninguém, os casais não se separarão, a
cura do câncer será finalmente descoberta, não precisaremos comprar
revistas para aprender a tirar manchas de tecidos -que serão refratários a qualquer tipo de sujeira- e todos saberemos preparar um peru de
Natal gastando pouco e rendendo
muito.
E, como a sociedade será mesmo
perfeita, não haverá fofoca nem novela de televisão, não haverá adultérios, heroínas, filhos que não sabem quem são seus pais, pais que não sabem de quem são seus filhos. Megeras, jamais.
Um presidente da República que
vá ao Maracanã não será vaiado, e
milhões de artigos e colunas políticas não serão escritos explicando a
razão da vaia e suas conseqüências.
E, enfim, o conselho de uma ministra poderá ser obedecido, e todos relaxaremos e todos gozaremos.
O poeta Ovídio cantou a Idade do
Ouro antes do tempo, foi afobado e
comeu cru. A Idade de Ouro poderá
começar agora, financiada pelos donos dos bingos e pelos bois do Renan
Calheiros.
Em geral, desde os tempos bíblicos, os profetas faziam, à sua maneira, uma espécie de comunicação social, alertando o povo para as misérias dos governantes e a cabeça dura
dos governados.
Foram expulsos de suas cidades,
um deles foi atirado ao mar e engolido por uma baleia, outro perdeu a
cabeça literalmente, que foi colocada em cima de uma bandeja de prata
e posteriormente oferecida a uma
dançarina circunstancial.
Quando o muro de Berlim caiu,
chegaram a decretar o fim da história. Provavelmente no pressuposto
de que o mundo ideal estava às portas, sem dois lados antagônicos, o
bem e o mal na eterna batalha para
ver quem vencerá.
Acontece que ninguém venceu
ninguém, e um cidadão pacífico, que
vai de um país a outro por trabalho
ou lazer, é revistado nas alfândegas
até os sapatos e confiscado nas pastas de dente.
Felizmente, esse mundo ideal está
longe, profissionais citados e outros
que poderiam ser citados podem
dormir tranqüilos, tão cedo (ou
nunca) esse mundo ideal chegará
nos próximos séculos.
Precisaremos tirar manchas de
nossos estofados, chamar bombeiros que consertem nossas torneiras
e desentupam nossos ralos, oncologistas que tratem de nosso câncer,
cientistas políticos que expliquem
por que a corrupção se instalou na
vida pública e terapeutas que segurem nossos traumas e fossas adquiridos na faina de cada dia.
Neste particular, a profissão mais
privilegiada será mesmo a dos jornalistas e demais comunicadores sociais. Serão os últimos a acabar no
mundo que chegou à perfeição.
Aliás, eles serão necessários nas
duas hipóteses do verdadeiro fim da
história. Se tudo der errado e o universo estourar num big bang maior
do que o big bang inicial, há que haver um jornal e um jornalista para
darem a notícia: "O mundo acabou!"
Na hipótese contrária, a do mundo perfeito, da humanidade irretocável, a honestidade será obrigatória, e alguém terá de dar o aviso: "Por
falta de notícias, a partir de amanhã,
deixaremos de circular".
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