São Paulo, Terça-feira, 17 de Agosto de 1999
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O submarino bastardo zarpa de novo


"Yellow Submarine", projeto desprezado pelos Beatles há 31 anos, volta à cena em DVD e CD remasterizado


THALES DE MENEZES
da Reportagem Local

Quem não gastou todas as economias comprando bonequinhos e outras bugigangas de "Star Wars" pode zerar a poupança em setembro. Lojas do planeta vão ser inundadas pelos produtos inspirados pelo desenho "Yellow Submarine", flagrante da fase mais psicodélica dos Beatles que ganha versão em DVD, nova edição em homevideo e a indefectível trilha sonora remasterizada, com uma prometida e misteriosa faixa inédita.
Há tempos, seria difícil imaginar que o desenho pudesse render tanta badalação. A pompa que cerca seu relançamento, na primeira semana de setembro, só mostra que, após "Anthology", o baú dos Beatles está acabando.
A boataria é intensa. Na mídia inglesa, a cada dia uma nova versão surge para antecipar o evento. A mais fantasiosa, até agora, dava conta que os três Beatles fariam show em um palco flutuante, devidamente pintado de submarino amarelo, para o público que ficaria espalhado pelas margens do rio Mersey, em Liverpool.
Outra notícia anunciou que os Beatles gastariam US$ 160 mil para pintar com imagens psicodélicas o trem Eurostar, que faz o trajeto entre Londres e Paris sob o mar. O trem colorido faria sua primeira viagem no dia 8 de setembro, data do lançamento de "Yellow Submarine" em DVD e vídeo.
No entanto, não há confirmação de qualquer evento envolvendo um dos Beatles. Não dá para saber se Paul McCartney, Ringo Starr e George Harrison querem fazer do segredo uma arma de marketing, ou se o grupo vai desprezar o desenho animado, como aconteceu há 31 anos.
Embora a imprensa e os historiadores ligados aos Beatles dividam uma tendência de glorificar cada acorde ligado ao conjunto de Liverpool, "Yellow Submarine" não passa de um apêndice na carreira do grupo, um filho bastardo que nenhum integrante quis reconhecer.
É bom lembrar o momento dos Beatles em 1968.
A banda completara no ano anterior dois trabalhos marcantes, "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band" e "Magical Mistery Tour", que levaram muito tempo de estúdio. No bagaço, o grupo foi renovar energias no início de 68 na famosa viagem à Índia, liderada por Harrison, totalmente influenciado por Maharishi Mahesh Yogi, líder da Meditação Transcendental. O que seria um período de férias relaxantes logo virou um inferno.
Ringo Starr foi embora porque sofria com o calor e os insetos na região. Depois foi a vez de John Lennon cair fora, afirmando que Maharishi só queria seduzir as mulheres que acompanhavam os Beatles e faturar em cima do nome do grupo.
De volta à Inglaterra, o grupo recebeu sem nenhum entusiasmo o projeto baseado em "Yellow Submarine", canção do álbum "Revolver", de 1966.
Os roteiristas imaginaram uma história praticamente sem nenhuma relação com a música -que, francamente, não diz muita coisa em sua letra. O único elemento é o submarino amarelo, imaginado por John numa viagem de LSD. No desenho, John, Paul, George e Ringo acompanham Captain Fred, o comandante do submarino, numa viagem para livrar o mundo de Pepperland, controlado agora pelos Blues Meanies, uma terrível raça que odeia música.
Não é justo dizer que os Beatles detestaram a idéia. Eles simplesmente não tinham disposição para encarar a empreitada sugerida pelo produtor George Martin. Sempre lembrado como o "quinto Beatle", Martin era o grande incentivador do projeto.
Mas cada integrante da banda tinha outras preocupações. John assumia o romance com Yoko Ono e passava tardes e noites inteiras escrevendo versos e cartas para ela. Paul viajava quase todas as semanas aos EUA para ver Linda Eastman, sua nova paixão. George estava em crise, questionando seus gurus depois da viagem turbulenta à Índia. E Ringo... bem, Ringo estava na dele, como sempre.
Os Beatles não aceitaram fazer as vozes dos personagens do desenho -atores com vozes parecidas foram recrutados. E também não tiveram paciência de escrever novas canções para a trilha sonora.
O álbum, lançado apenas em 13 de janeiro de 1969, seis meses depois da estréia do filme, trazia apenas seis músicas dos Beatles: "Yellow Submarine" e "All You Need Is Love", já conhecidas do público, e as inéditas "Only a Northern Song", excluída da versão final de "Sgt. Pepper's", e "All Together Now", "It's All Too Much" e "Hey Bulldog", sobras das extensas sessões de gravação de 1967 e 1968.
O filme é um desfile de imagens coloridas, acompanhadas na maior parte do tempo pelo resto da trilha, outras seis músicas de George Martin. Tudo bem maluco, bonito e ingênuo, numa obra um tanto abobalhada, que hoje presta mais a ser um registro do psicodelismo.
Imagens reais dos Beatles aparecem no final do desenho, quase como um apoio oficial do grupo ao filme, mas não redimem o desprezo da banda. O único Beatle a participar da divulgação do desenho animado foi George Harrison, num favor pessoal a George Martin.
Agora, 31 anos depois, os Beatles vão faturar um pouco mais com o submarino. Uma prova de que nunca é bom jogar fora as velharias que estão no porão. Elas podem valer alguma coisa.


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