São Paulo, Sexta-feira, 17 de Setembro de 1999
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O LIVRO DEPOIS DO LIVRO

Autora refuta teses alarmistas sobre o "fim do livro" e concilia literatura e Internet

Site se inspira em fantasia de Borges


da Equipe de Articulistas

Tornou-se moeda corrente nos últimos anos a idéia de que quem entende de Internet é analfabeto em literatura, e vice-versa. O projeto "O Livro depois do Livro", de Giselle Beiguelman, prova que essa tese é falsa.
Além de exibir e discutir em seu site trabalhos literários sofisticadíssimos realizados no (ou para o) ambiente da rede, Giselle é, ela própria, a demonstração viva da possibilidade de conciliação dos dois campos.
Historiadora com tese de doutorado sobre Ernest Hemingway, a ensaísta tem como uma das inspirações centrais do projeto "O Livro depois do Livro" o escritor argentino Jorge Luis Borges, que no conto "O Livro de Areia" concebeu um "hiperlivro" cujas páginas mudam sem cessar, e no qual é impossível voltar a uma página já lida.
Não é por acaso que uma das seções do site "O Livro depois do Livro" -a que trata de obras ficcionais escritas para a Internet- chama-se, justamente, "O Livro de Areia".
O primeiro equívoco que Giselle se apressa em desfazer é a crença ingênua de que, com a predominância da Internet e as novas mídias, o livro "vai acabar".
"É a propaganda da indústria de software que acaba difundindo essa visão alarmista e infundada do "fim do livro"", afirma a pesquisadora.
"O livro é, provavelmente o objeto de design mais perfeito da cultura ocidental, por isso se manteve praticamente inalterado ao longo de tantos séculos, e com certeza vai continuar ainda por muitos outros", diz.
O interesse de Giselle Beiguelman não é o não-livro, mas as novas condições criadas à leitura e à escrita no mundo da Internet.
"Os textos e imagens produzidos para a Internet têm que lidar com variáveis que são um sentido ampliado da participação do leitor", afirma a autora.
"O tempo de transmissão do conteúdo, por exemplo, faz parte do próprio conteúdo. O aleatório (tempo de conexão, resolução de imagem, tipo de computador, configuração etc.) ganha um peso muito maior que nas formas anteriores de leitura. Interessa-me investigar essas condições porque, como dizia Foucault, "o leitor é o duplo do livro"."

Estrelas da rede
Algumas das estrelas internacionais da chamada net arte (ou web arte) apresentarão seus trabalhos ao lado de "O Livro depois do Livro" na exposição internacional "Net Condition", que vai até 9 de janeiro de 2000.
Jeffrey Shaw, autor da célebre "Legible City", apresentará uma instalação com programas de navegação em realidade virtual. Grupos como JODI, i/o/d e Knowbotic Research também exibirão seus novos trabalhos.
O site "O Livro depois do Livro" (www.desvirtual.com/giselle) tem links para os trabalhos desses artistas e também para o do catalão Antonii Muntadas, "um dos primeiros a criar essa confusão epistemológica entre trabalho artístico e banco de dados", segundo Giselle. Uma confusão na qual o projeto da própria ensaísta -arte, ensaio, literatura- está certamente inserido.
(JOSÉ GERALDO COUTO)


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