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"BABELLE HEUREUSE"
Na dança nada se perde, tudo se mistura
INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA
"Era uma vez uma ilha."
Mas não era uma torre? O
mito bíblico de Babel começa em
versão marítima, nessa grande
colagem dançada da companhia
Montalvo-Hervieu. A confusão
das linguagens, aqui, não é punição. Em "Babelle Heureuse" (literalmente "Babela Feliz"), que estreou no teatro Alfa no último dia
12, o caminho da alegria é também o da diversidade.
Várias manifestações de movimento -do balé clássico, passando por hip hop, afro, capoeira e
contorcionismo- compõem a
geografia do gesto. Mas a colagem
não pára por aí: a dança pode,
também, ser criada na alternância
entre imagens tecnológicas, em
3D, e o corpo real. Como nos espetáculos anteriores da companhia, "Paradis" e "Le Jardin Io Io
Ito Ito", já vistos no Brasil, "Babelle Heureuse" é uma homenagem
ao cosmopolitismo, poliglota e
multicultural.
As personagens em cena se comunicam com as imagens da tela
ao fundo. Não só com eles mesmos, filmados, mas também com
animais (coelho, tigre, cavalo).
Atrás da cortina vermelha virtual,
o vídeo abre um novo espaço
-da fantasia, do imaginário-
onde se fundem alegremente natureza e cultura.
Vocabulários muito diferentes
da dança também dialogam de
forma original. Cada um aparece
só um pouco, dono do instante.
Há, assim, uma multiplicidade de
pequenas sequências. Que são
também desafios: por exemplo,
na cena em que a dança clássica-moderna (sobre as pontas) tem
respostas afro. Que também serve
para contrastar corpos e modos
de dançar: enquanto uma bailarina é magra, musculosa e precisa, a
outra é redonda, macia e sinuosa.
Mas não há barreiras entre elas e
as duas acabam dançando em total harmonia.
É da convivência de solos virtuosísticos com a dança harmônica de grupo que a integração geralmente se dá. Não se trata só de
um jogo de combinações, mas
sim de uma interrogação, muito
bem-humorada, do que seria
uma identidade hoje (em particular na Europa multicultural, mas,
por extensão, em todo lugar do
mundo globalizado). Para a companhia Montalvo-Hervieu, isso
acontece na fronteira de várias
culturas e no cruzamento delas,
com as devidas críticas possíveis.
Há momentos em que, de modo
irônico, o espetáculo critica nossa
postura habitual diante do mundo. Exemplo: de peruca e laquê na
mão, um bailarino interroga o
que é mais importante -a camada de ozônio ou o cabelo?
A música ao vivo -canções tradicionais do Golfo Pérsico- intercala-se com música clássica
gravada (Vivaldi e, como se lê no
programa, "Jean-Sébastien"
Bach). Os dois músicos, Saeid
Shanbehzadeh e Habib Meftahboushehri, também fazem parte
da dança e todos os que dançam
ajudam a compor o som em cena.
Os figurinos são roupas comuns
de rua, que vão do terno à calça de
malha, dando um caráter pessoal
a cada indivíduo.
Com humor e ironia, a cia. vai
trabalhando o que há de sombra e
luz neste mundo. Mesmo naqueles momentos quando a sobreposição de linguagens parece esvaziar um pouco de sentido. É uma
mistura feliz, que deixa um gosto
bom de alegria na gente.
Babelle Heureuse
Com: cia. Montalvo-Hervieu
Quando: hoje, no teatro Castro Alves,
Salvador (pça. 2 de Julho, s/nš, tel: 0/xx/
71/339-8000); qui. e sáb., no teatro
Municipal do Rio (pça. Floriano, s/nš, tel:
0/xx/21/2262-3935)
Quanto: de R$ 20 a R$ 90 (Salvador); de
R$ 10 a R$ 240 (Rio)
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