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MÚSICA
Cantor utiliza base de sopros no seu novo álbum, "Partido ao Cubo"
"Intelectual", Nei Lopes traz Cuba ao samba carioca
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Quem acompanha Nei Lopes à
distância pode ver nele um caso
de dupla personalidade: de um lado, o compositor divertido de
"Tempo de Dondon" e "Goiabada Cascão"; de outro, o intelectual
e militante da cultura afro-brasileira, que escreve cartas e artigos
sérios para jornais.
Pífio engano. O compositor e o
intelectual são partes de uma
mesma personalidade, tão divertida quanto aguerrida. O novo
CD, "Partido ao Cubo", reflete isso: são 14 sambas temperados
com influências cubanas, opção
que conta com a argumentação
do pesquisador das tradições africanas e a alegria do autor de sambas. "Cuba entra como pano de
fundo. O disco é samba o tempo
inteiro. Não houve a pretensão de
criar nada de novo, nenhum
"samba-Havana", porque ser pioneiro aos 62 anos seria algo muito
complicado", brinca ele.
"Partido ao Cubo" tem, em todas as suas faixas, uma retaguarda
de sopros que explicita a referência cubana. Na primeira e na última faixas, as extremamente dançantes "Samba de Eleguá" e "Partido ao Cubo", fica ainda mais claro. "Alguns sambistas mais tradicionalistas fazem uma música
meio triste. Mas o samba sempre
teve um lado moleque, de brincadeira, que não pode perder. O
bom é ouvir e dançar", diz ele, que
está fazendo shows no Centro
Cultural Carioca (centro) nas
quartas-feiras de setembro.
A ode à alegria não significa liberalidade absoluta. Ao sublinhar
as afinidades entre Brasil e Cuba,
ele não propõe fusões sonoras.
"Toda fusão leva a um enfraquecimento das vertentes que estão
se fundindo. Busco o máximo de
fidelidade à tradição do samba."
Por esta razão, Lopes é um praticante e apologista do partido-alto, que considera a forma de se fazer samba mais ligada às tradições
africanas e a mais complexa. O
partido é formado, basicamente,
por um refrão forte e estrofes que
podem se prolongar em improvisações. "O partido começou a ser
recuperado com Martinho da Vila e, desde os anos 80, vive um
bom momento", exalta Lopes.
Ele não tem a mesma visão positiva quanto aos prêmios e homenagens que veteranos do samba
como Monarco e Nelson Sargento
vêm recebendo. "É tudo simbólico, porque ganha-se muito pouco
[dinheiro]. A intenção é manter o
samba no gueto do folclore, não
considerá-lo como algo competitivo no sentido mercadológico."
Como se pode deduzir, o sucesso de "Tempo de Dondon" na trilha da novela "Celebridade" (na
voz de Dudu Nobre) não deslumbrou em nada o compositor. "Por
trás de iniciativas da Globo, como
o [seminário] "Conteúdo Brasil",
há toda uma estratégia para buscar apoio do governo, do BNDES.
Sou muito realista", diz.
Autor de vários livros, Nei Lopes deve lançar outros em breve.
Acabou de escrever "Partido-Alto, Samba de Bamba", para a editora Pallas, e de revisar os 10 mil
verbetes da "Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana", que a
editora Summus pretende publicar em novembro. Também está
concluindo "Kitabu - O Livro do
Espírito e do Pensamento Negro
Africano", para o Senac, e escrevendo contos a partir de histórias
reais do samba.
PARTIDO AO CUBO. Artista: Nei Lopes.
Lançamento: Fina Flor. Quanto: R$ 23
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