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LITERATURA
Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras, lança seu "Discurso sobre o Capim", com seleção de 11 contos adultos
Editor troca de lado e estréia nas letras
SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL
Luiz Schwarcz começou a escrever profissionalmente por acaso.
Foi uma série de coincidências
que o levou a este "Discurso sobre
o Capim", título da estréia no
mundo da prosa adulta do editor
de livros vivo provavelmente
mais conhecido do Brasil. São 11
contos que fazem tabela entre a
ficção e a memória como os camisas 7 e 9 do esporte que o autor
adora. A Companhia das Letras, a
empresa da qual ele é fundador e
um dos proprietários, distribui a
obra nas livrarias nesta segunda.
Mas é o assunto "coincidência",
não o futebol, que começa a conversa do repórter com Schwarcz
na sala de sua casa, no Jardim Europa, em São Paulo, numa manhã
gelada da última semana. O ambiente dá vista para um jardim,
que abriga pássaros de passagem,
dois golden retrievers residentes
(Bartholomeu, 8, pai, e Theodoro,
5, filho) e uma galinha-d'angola.
O editor (ele prefere "leitor profissional") tem um sítio em São Bento do Sapucaí, no interior de São
Paulo, e queria trazer para a casa
paulistana um representante da
espécie penada. Os cachorrões a
devorariam, o plano foi abortado.
Até que um dia uma galinha
-d'angola- veio de algum lugar
e entrou. Mora lá, intacta.
Começa o bate-bola. Por que
agora, aos 49 anos, 29 como editor, quase 20 à frente da empresa
que fundou, Schwarcz resolveu
mudar de lado no balcão literário?
Logo ele, que recebe em casa os
originais de Rubem Fonseca, Chico Buarque, Bernardo Carvalho,
Milton Hatoum, a nata da literatura brasileira, e também estrangeiros, de Alberto Manguel a Tomás Eloy Martínez, para dar conselhos -e, melhor, ser ouvido?
"Em 1999, passei seis meses escrevendo um texto sobre a vida
dos meus pais para meus filhos",
Júlia, 24, hoje editora como o pai,
e Pedro, 20, poeta e aspirante a
ator, "pois queria que eles soubessem como foi a vida de seus avós",
diz. A mulher, a antropóloga Lilia
Moritz Schwarcz, leu e disse: "Isso
dá um livro pela Companhia das
Letrinhas", de literatura infantil.
Ele começou a escrever outros
contos para acompanhar o primeiro. Aquele virou o livro "Minha Vida de Goleiro", lançado no
mesmo ano. É o ponto zero deste
"Discurso sobre o Capim".
Os outros contos vieram pousar
em seu computador, como a insistente galinha-d'angola. Vício
de editor, ele lembra primeiro dos
que foram cortados -brinca que
seu livro de memórias se chamaria provavelmente "Letras que
Cortei". Esta frase, aliás, fechava o
livro que ele lança agora -mas
foi cortada. Fala também de um
texto que encerraria "Capim" explicando que os textos que o leitor
acabou de ver na verdade eram
trechos de contos e romances cortados por um editor criterioso.
Um metaconto, que também não
sobreviveu à faca impiedosa.
Os que sobreviveram foram 11,
a seleção escalada, que vai do preciso "Sétimo Andar" a "Livro de
Memórias", uma biografia ficcional, passando pelo pungente
"Acapulco", que inspira a foto da
capa e é de longe o mais bem escrito. Aqui, Schwarcz conta com
liberdade poética a história dos
avós maternos entremeada pela
história de Johnny Weissmuller
(1904-1984), o eterno Tarzan.
O paralelo que traça entre a tentativa do ator, já envelhecido e na
penúria, de resgatar sua memória
ao reviver um personagem de ficção e as tentativas que Schwarcz
faz de recuperar a memória cada
vez mais falha da avó ao folhear
álbuns de fotos em suas visitas ao
hospital em que ela se encontra de
certa maneira resumem o livro.
Outro conto, "Doutor", é ácido
e, no limite, confessional. Um filho de um mestre-de-obras, encanador e pedreiro quer ser médico.
Ridicularizado pelo pai, cresce e
se especializa em usar o auscultador para encontrar canos de esgoto rompidos. Eis aí a perfeita metáfora do editor: o sujeito que vê a
casa pronta, mas é capaz de encontrar a merda que passa por
baixo -e cortá-la. Joio e trigo etc.
Editar o editor
Por falar nisso, quem editou o
editor? A princípio, ele teve pudor
de entregar seu livro à sua própria
empresa, mas achou menos hipócrita do que mandar para outra
casa. Deram sugestões Rubem
Fonseca, Patrícia Melo e Tomás
Eloy Martínez. Quem o editou foi
sua mulher, sua filha e a editora
principal da Companhia, Maria
Emília Bender. Ele aceitou as sugestões, algumas resignado.
Tímido, introvertido, fala baixa
que contrasta com a estatura de
jogador de basquete, não percebe
nenhuma influência óbvia nos escritos. Instado a dizer, concede
que a principal influência vem do
cinema, não da literatura. É do cineasta François Truffaut (1932-1984), que "escrevia seus roteiros
como se fossem peças literárias".
Batiza o livro uma frase do último conto. Nele, um empresário
bem-sucedido se emociona numa
homenagem tola e começa a descrever o primeiro quadro que
comprou, uma marinha singela
com pequenas manchas de capim
fora de lugar, até perder a voz.
Schwarcz levanta-se e mostra o
quadro. É um Pancetti pendurado
à nossa frente. Ele os coleciona.
Tira um outro da parede e mostra
o verso da obra. Está escrito, à tinta: "Campos do Jordão, 1949 - Stálin falou ao mundo!". O pintor autodidata brasileiro (1902-1958) revelava sua faceta esquerdista.
O repórter pede para ver o verso
do quadro que inspirou o conto e
que serve, discretamente, de fundo da foto do autor na orelha do
livro, uma "inside joke". A tela é
retirada da parede e virada:
"16.6.56". Luiz Schwarcz, que
nunca tinha atentado para a data
da marinha, arregala os olhos:
"Eu nasci neste mês e neste ano".
(Nem "Letras que Cortei" nem
"Livro de Memórias" nem "Discurso sobre o Capim": se um dia
fosse escrita -não vai, diz ele-,
sua biografia deveria se chamar
"O Livro das Coincidências".)
Schwarcz encerra "Capim" com
os agradecimentos, abertos com
três epígrafes: "Escrever é cortar"
(Marques Rebelo), "Escrever é
cortar palavras" (Ernest Hemingway) e "Escrever é a arte de cortar
palavras" (Carlos Drummond de
Andrade). Mas é a epígrafe do livro mesmo, do escritor David
Grossman, que revela, a um tempo, a insegurança e a intenção do
autor estreante. "Se eu tivesse de
escolher entre a felicidade e cantar
bem... não tenho a menor dúvida
do que escolheria." O que escolheria ele próprio? A felicidade
(escrever) ou cantar bem (editar)?
A escolha pode esperar. Luiz
Schwarcz é daqueles raros multitalentos. Seu livro de estréia é...
Numa frase, imune a cortes? Gol.
Discurso sobre o Capim
Autor: Luiz Schwarcz
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 27 (120 págs.)
Quando: lançamento na segunda-feira,
às 19h30, na livraria Siciliano do
shopping Pátio Higienópolis (av.
Higienópolis, 618, piso Higienópolis, São Paulo, SP, tel. 0/xx/11/ 3823-2669)
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