São Paulo, sábado, 17 de setembro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIVROS

THRILLER


Obra descreve jovem que serve de guia sexual para estrangeiros em Tóquio

"Miso Soup" de Ryu Murakami é romance em ritmo de "pulp"

JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA

Fora do bairro da Liberdade, os únicos lugares possíveis de se encontrar arte japonesa no Brasil de 20 anos atrás era em cineclubes ou na feira, entre a abóbora e a hortaliça, onde se vendiam os mangás usados. Não dava para entender os balões e legendas, mas os desenhos eram fantásticos. O Japão não estava na moda, a garotada não chegava a estudar kanjí para ler quadrinhos como hoje, e enquanto atualmente editoras publicam qualquer coisa que se escreva de trás para diante, naquela época fazia sucesso apenas o romance "Azul Quase Transparente", de Ryu Murakami, lançado pela editora Brasiliense. Depois de tanto tempo, Murakami (nada a ver com seu quase homônimo Haruki Murakami) volta à cena com "Miso Soup" (o título se refere ao "missoshiro", a sopa de missô ou pasta de soja fermentada), um romance em ritmo de "pulp".
Kenji é um jovem de 20 anos que presta serviços de guia sexual para estrangeiros interessados em conhecer a vida noturna de Tóquio. Contratado por Frank, um americano disposto a palmilhar cada inferninho da zona de Kabuki-cho em busca da prostituta ideal, ele identifica em seu cliente estranhas particularidades, ao mesmo tempo em que dois assassinatos escabrosos ocorrem. Desconfiado, o rapaz começa a relacionar os crimes com Frank, o "freak", até tudo culminar num cenário de violência extrema.
Já identificado como uma narrativa sobre a solidão nas grandes metrópoles, "Miso Soup" parece mais refletir sobre a paranóia contemporânea e a incomunicabilidade entre culturas, através do comportamento de Kenji, narrador e único personagem interessante do livro. As digressões do jovem traçam um panorama crítico sobre aspectos comportamentais da vida urbana japonesa, país próspero onde, entre outras coisas, "colegiais se prostituem" e "ocorrem mortes por excesso de trabalho, apesar de o Japão ser um dos países mais ricos do planeta". "Drop out" consciente da sociedade de consumo, ao ser confrontado pelas circunstâncias trágicas a que Frank o conduz, Kenji se mostra moralmente ambíguo e nisto reside a maior qualidade da história, de resto um tanto esquemática e cheia de lugares-comuns na composição do serial killer americano, a ponto de se assemelhar a um infanto-juvenil em alguns momentos -ou a um argumento de olhos espichados para Hollywood- e não há juízo de valor nesta afirmação: o livro é insosso demais para tal.
Conhecido propagador da ficção japonesa na cultura americana, Murakami pratica algo distinto do terror psicológico recém importado do Japão (como nos livros de Kôji Suzuki, autor de "Ring" e "Dark Water", as matrizes dos filmes) e mais próximo do horror "gore" de Roger Corman e Dario Argento, porém sem o mesmo nível de provocação e qualidade da obra destes cineastas marginais. Para o meu paladar, sobra catchup e falta sangue no tempero desta sopa.


Joca Reiners Terron é escritor, autor de "Hotel Hell", entre outros livros

Miso Soup
 
Autor: Ryu Murakami
Tradução: Jefferson José Teixeira
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 39 (216 págs.)


Texto Anterior: Vitrine Brasileira
Próximo Texto: Artigo: Elias Canetti faz manifesto de ódio
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.