São Paulo, domingo, 17 de setembro de 2006

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Crítica/"Eu, um Negro"

Jean Rouch explora mitologia do cinema

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

Edward G. Robinson caminha pelas ruas de Abidjan, capital política da Costa do Marfim, para nos apresentar alguns de seus amigos, como o boxeador Eddie Constantine e a sedutora Dorothy Lamour.
São quase todos imigrantes nigerianos que representam, no jogo proposto a eles pelo cineasta francês Jean Rouch (1917-2004), os personagens que bem entendessem -diante da câmera, improvisando nas filmagens e dublagem.
"Eu, um Negro" (1958) tornou-se um documentário clássico, entre outros aspectos, pela escolha desse método, que combina a abordagem etnográfica, linha condutora da obra de Rouch, com o convite à exploração dos mecanismos de representação do cinema. Os nomes e personalidades que os jovens resolvem assumir, não por acaso, pertencem à mitologia cinematográfica.
Afinal, não era um filme que estrelavam? Logo, nada mais natural do que agir como um ator.
O processo é semelhante ao que vivem (sem que seja preciso pedir a eles) os personagens dos filmes mais recentes de Eduardo Coutinho. O que antes interessa é a investigação quase terapêutica do que os autores dos depoimentos querem fazer acreditar que eles sejam.
Os jovens sorridentes de Rouch circulam pelas ruas de Treichville, a "Chicago da África Negra", na parte mais pobre de Abidjan. Sua rotina é escrutinada de acordo com o andar da semana -primeiro os dias "úteis", depois o sábado e o domingo. A batalha pela sobrevivência ocupa a parte inicial, em que os nigerianos expõem o dilema da juventude sem grandes perspectivas de inserção na economia, na África ou em outro lugar, nos anos 50 ou hoje.
Praia, esporte, música e religião pautam as atividades de lazer, que ocupam o restante do filme. Há um "Bar Esperança" em Treichville, simbólico de uma postura diante da vida que se revela positiva. "Deus é grande", agradece um dos jovens.
É possível conhecer mais sobre Rouch graças aos extras, como o curta "Os Mestres Loucos" (1955), rodado em Acra, capital de Gana, e um ensaio do crítico francês André Bazin em torno desse filme, que classifica de "reportagem científica sobre fenômenos sociológicos contemporâneos da África Ocidental". O próprio cineasta protagoniza outro extra, o média-metragem "Jean Rouch: Subvertendo Fronteiras", em que fala de procedimentos e paixões. A maior talvez fosse a África, onde morreu em um acidente de carro.


EU, UM NEGRO
    
Direção:
Jean Rouch
Distribuidora: Videofilmes (R$ 46)
Onde: Cinusp (r. do Anfiteatro, 181, tel. 0/xx/11/3091-3540), amanhã e qua. (16h); ter. e qui. (19h); grátis


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