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Crítica/"Eu, um Negro"
Jean Rouch explora mitologia do cinema
SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA
Edward G. Robinson caminha pelas ruas de
Abidjan, capital política
da Costa do Marfim, para nos
apresentar alguns de seus amigos, como o boxeador Eddie
Constantine e a sedutora Dorothy Lamour.
São quase todos imigrantes
nigerianos que representam,
no jogo proposto a eles pelo cineasta francês Jean Rouch
(1917-2004), os personagens
que bem entendessem -diante
da câmera, improvisando nas
filmagens e dublagem.
"Eu, um Negro" (1958) tornou-se um documentário clássico, entre outros aspectos, pela escolha desse método, que
combina a abordagem etnográfica, linha condutora da obra de
Rouch, com o convite à exploração dos mecanismos de representação do cinema.
Os nomes e personalidades
que os jovens resolvem assumir, não por acaso, pertencem
à mitologia cinematográfica.
Afinal, não era um filme que estrelavam? Logo, nada mais natural do que agir como um ator.
O processo é semelhante ao
que vivem (sem que seja preciso pedir a eles) os personagens
dos filmes mais recentes de
Eduardo Coutinho. O que antes
interessa é a investigação quase
terapêutica do que os autores
dos depoimentos querem fazer
acreditar que eles sejam.
Os jovens sorridentes de
Rouch circulam pelas ruas de
Treichville, a "Chicago da África Negra", na parte mais pobre
de Abidjan. Sua rotina é escrutinada de acordo com o andar
da semana -primeiro os dias
"úteis", depois o sábado e o domingo. A batalha pela sobrevivência ocupa a parte inicial, em
que os nigerianos expõem o dilema da juventude sem grandes
perspectivas de inserção na
economia, na África ou em outro lugar, nos anos 50 ou hoje.
Praia, esporte, música e religião pautam as atividades de lazer, que ocupam o restante do
filme. Há um "Bar Esperança"
em Treichville, simbólico de
uma postura diante da vida que
se revela positiva. "Deus é grande", agradece um dos jovens.
É possível conhecer mais sobre Rouch graças aos extras, como o curta "Os Mestres Loucos" (1955), rodado em Acra,
capital de Gana, e um ensaio do
crítico francês André Bazin em
torno desse filme, que classifica
de "reportagem científica sobre
fenômenos sociológicos contemporâneos da África Ocidental". O próprio cineasta protagoniza outro extra, o média-metragem "Jean Rouch: Subvertendo Fronteiras", em que fala de procedimentos e paixões. A maior talvez fosse a
África, onde morreu em um
acidente de carro.
EU, UM NEGRO
Direção: Jean Rouch
Distribuidora: Videofilmes (R$ 46)
Onde: Cinusp (r. do Anfiteatro, 181,
tel. 0/xx/11/3091-3540), amanhã e
qua. (16h); ter. e qui. (19h); grátis
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