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FERREIRA GULLAR
Somos todos irmãos
A solução para o
problema da desigualdade social é precisamente a educação
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PARTICIPO DA preocupação de
que se provoque o surgimento
do ódio racial no Brasil. Esse
ódio, felizmente, não existe, muito
embora ainda não estejamos livres
do preconceito racial, que existe e
deve ser rechaçado, onde e quando
se manifeste, conforme, aliás, prevê
a legislação brasileira.
Abordo esse problema em razão
do livro "Não Somos Racistas", que
Ali Kamel acaba de publicar, onde o
examina com seriedade e lucidez. O
assunto, evidentemente delicado e
polêmico, exige ser tratado com
isenção, o que o autor, no meu entender, consegue.
Lendo-o, deduzi que ninguém, no
Brasil, está pregando abertamente o
conflito racial. Não obstante, a defesa de certas teses sociológicas, surgidas na década de 1950 e que visavam
desfazer o "mito da democracia racial brasileira", lançaram as sementes desse possível conflito.
Os defensores daquelas teses afirmavam que a referida "democracia
racial" fora inventada para encobrir
o racismo, que seria a verdadeira
causa da desigualdade social entre
negros e brancos. Tal desigualdade
não podia ser explicada, afirmam
eles, apenas pela pobreza dos negros
e pardos, pois tinham um fundo racial. Esse racismo, segundo eles, por
ser disfarçado, seria pior que o dos
brancos norte-americanos.
Já ouvi afirmações semelhantes e,
em resposta, lembrei que a luta dos
negros norte-americanos, durante
os anos 60 e 70, que obteve importantes vitórias contra o racismo, na
verdade, o que conseguiu foi eliminar discriminações que os negros
brasileiros desconheciam, como não
poder freqüentar os mesmos restaurantes que os brancos, não poder
usar os mesmos banheiros nem estudar nos mesmos colégios. Quantos dos meus colegas de escola eram
negros e mulatos! Se o racismo explícito e arrogante é melhor que o
disfarçado, então de nada valeram as
vitórias dos companheiros de Martin Luther King. Teria sido melhor,
então, manter as discriminações de
antes? Quem advogava teses como
essas deveria entender que, se o racismo que está dentro de alguém
não se manifesta em discriminações
e ofensas, só serve para envenenar
quem o traz consigo.
E sabem por que o racismo disfarçado, segundo eles, é pior? Porque
impede o negro de lutar por seus direitos. Mas, se o que importa são os
direitos e os negros brasileiros já gozavam de mais direitos que os seus
irmãos norte-americanos, custa
aceitar que o racismo daqui fosse
pior que o de lá.
Torna-se então evidente que o objetivo daquelas teses era provocar o
conflito entre negros e brancos, sob
a alegação de que é o preconceito racial que impede a ascensão social
dos negros, e não a pobreza. Logo, o
inimigo do negro é o branco.
Conforme demonstra Ali Kamel,
essas teses fizeram a cabeça de muita gente, contribuindo para que o
nosso ideal de nação miscigenada e
tolerante vá sendo substituído por
uma suposta nação bicolor, na qual
os brancos oprimem os negros. Procura-se de todas as maneiras impor
essa visão ao país, muito embora os
dados objetivos demonstrem o contrário.
Para comprovar que os brancos
brasileiros oprimem os negros, usa-se o exemplo de que negros e pardos
ganham a metade do salário dos
brancos, ainda que tenham o mesmo nível educacional. Ali Kamel argumenta, porém, que ter o mesmo
diploma não significa ter o mesmo
nível de conhecimento nem o mesmo preparo; se os brancos estudaram em colégios bons e os negros em
colégios péssimos -e é o que acontece- aqueles estarão mais aptos a
exercer determinadas funções.
A causa da desigualdade salarial
não se deve, portanto, ao racismo,
mas à diferença na formação educacional. Segundo as mesmas estatísticas, os amarelos ganham o dobro
dos brancos (7,4 salários mínimos
contra 3,8), e a razão disso é que eles
estudam em média 10,7 anos, enquanto os brancos estudam apenas
8,4 anos. Deve-se deduzir daí que os
amarelos oprimem os brancos no
Brasil? A conclusão certa é que ganha mais quem estuda mais. Eis por
que a solução para o problema da
desigualdade social é precisamente
a educação, isto é, oferecer aos brasileiros pobres, sejam negros, mulatos
ou brancos, ensino de qualidade.
O conceito de nação mestiça é um
entrave a quem deseja o conflito racial. Por isso, embora os negros sejam apenas 5,6% da população brasileira, diz-se que os pardos, que somam 42%, também são negros e, assim, tenta-se ocultar o elevado grau
de mestiçagem que nos caracteriza
como povo. É uma pena.
O livro de Ali Kamel deve ser lido e
refletido com a mesma isenção com
que foi escrito.
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