São Paulo, quarta-feira, 17 de setembro de 2008

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Oficina faz 50 e encena disputa com Silvio Santos

"Estréia" do apresentador em peça do grupo é hoje, no Porto Alegre em Cena

"Os Bandidos", adaptação da obra de Friedrich Schiller, chega a SP no próximo dia 26; "Fazemos barraco, mas um barraco elegante", diz Zé Celso


Lenise Pinheiro/Folha Imagem
Cena de "Os Bandidos" montagem que marca o cinqüentenário do Oficina

LUCAS NEVES
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE

A terra que há 50 anos serve de palco ao teatro Oficina, na Bela Vista, em São Paulo, já foi moradia de tupis, bandeirantes, uma escrava alforriada e imigrantes italianos, diz a história. Entretanto, por ocasião da efeméride ("Um momento proustiano, de busca do tempo perdido, "caição" de ficha", segundo o co-fundador e diretor José Celso Martinez Corrêa), é para o vizinho que o grupo volta as suas atenções.
"Finalmente, Silvio Santos, a musa inspiradora, entra em cena", anuncia ele. Desde 1980, o Oficina e o grupo que leva o nome do empresário travam uma queda-de-braço em relação à ocupação do terreno anexo ao teatro. O primeiro defende que se erga ali um teatro de estádio (ao ar livre) para 5.000 pessoas; o projeto atual do segundo (dono da área) é construir um conjunto residencial -o shopping foi descartado.
A "estréia" de Silvio Santos no Oficina se dá em "Os Bandidos", adaptação da obra do alemão Friedrich Schiller (1759-1805) que a trupe apresenta de hoje a sexta, em regime de pré-estréia, no 15º Porto Alegre em Cena -a temporada paulistana começa no próximo dia 26.
"O Silvio tem, na peça, o papel de Apolo. Para o equilíbrio total do teatro, é preciso que figuras como ele entrem em contracenação com quem faz teatro -os amantes de Dionísio. Eu não projeto nada de negativo no Silvio Santos. Separo o grupo da pessoa dele. A pessoa dele que esteve aqui [no Oficina, em 2004] foi muito afável. Sempre que tocamos no assunto, é com extrema elegância, delicadeza. Vamos terminar a peça como se estivéssemos amigos. É uma aposta na nossa união", afirma Zé Celso.

"Barraco elegante"
Levar a disputa territorial para o palco não deixa o Oficina sujeito a críticas de que faz uma dramaturgia panfletária, sem maiores ambições artísticas?
"Isso é uma bobagem. Nós não separamos a vida da arte. Fazemos barraco, mas um barraco elegante, apolíneo. Eu não acredito em artista que não parta da sua subjetividade, que não parta do seu mundo. A todo momento, solicito aos atores que tragam sua vida, suas experiências. E quer experiência mais louca do que essa, de um grupo de teatro que faz 50 anos e ocupa 400 m2 numa cidade que nem é dele, ao lado de uma corporação do tamanho do Grupo Silvio Santos? Se você quiser ser idiota e não incorporar isso, não está sabendo fazer arte", observa o diretor.
No enredo original, os irmãos aristocratas Karl e Franz disputam o amor paterno -e, por que não, sua herança. Idealista, Karl filia-se a uma gangue para questionar o status quo, ao passo que Franz parece envenenar o pai contra o irmão. "Parece", pois aqui os arquétipos são instáveis.

Cosme e Damião
Na releitura de Zé Celso (em verso), Franz vira Cosme (ou Kosmos) e Karl, Damião (ou Damian).
Eles estão no centro da disputa pelo poder na multinacional do audiovisual Pro-World Corporation SS, que celebra 50 anos de atividade às voltas com outro jubileu de ouro, o de um certo teatro paulistano.
Damião, designado para gerenciar a filial brasileira, patrocina a festa do Oficina, bandeia-se para o lado de macumbeiras, prostitutas e meliantes, flerta com as guerrilhas latino-americanas e inspira uma novela das oito como nunca se viu (com "sexo explícito, negócio ilícito e amor", alardeia a chamada).
Para o diretor, era hora de tratar da "fabricação de consciência" do folhetim, que sempre demanda "um bode expiatório, uma guerra fria, quente, seja lá o que for":
"A gente faz essa guerra mas também desmistifica a novela, mostra-a como ela poderia ser. Propomos uma percepção do mundo muito mais do que uma consciência vulgar, maniqueísta. Todos os personagens são exaltados, não há distinção, porque acho que todos somos bandidos. Eu sou um bandido, nesse esquema em que vivemos. Sou obrigado a ser, a me virar. Já trafiquei, quando veio a censura e fechou tudo. Fui obrigado. Hoje, sou um fora-da-lei porque fumo maconha. Quero ver uma pessoa que não seja!".

Crime que compensa
Uma versão preliminar de "Os Bandidos" foi apresentada em 2007, em Mannheim, cidade alemã que viu a primeira montagem do texto, no fim do século 18.
Da première européia à brasileira, Zé Celso verteu o original para verso e esmiuçou perfis como o de Spielberg, membro do bando de Damião descrito como "poeta do maior crime: a arte". A propósito: 50 anos depois, o delito ainda compensa?
"Mais do que nunca! Não só para mim como para a humanidade. Tivemos a sorte de cair Schiller em nossas mãos. Se Freud acentua a sexualidade e Marx, a economia, Schiller analisa a arte e a beleza como infra-estrutura, e não superestrutura. A cultura é a arte de viver, o cultivo da vida. E essa arte é o maior bem que existe diante dos criminosos que querem transformar a vida em subproduto da economia", observa o diretor.


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