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Análise/teatro
Incansável, Zé Celso é o sol do universo Uzyna Uzona
Fundador do Oficina e seu coro desenvolveram um modelo próprio de encenação
Celso em "Mistérios Gozosos a Moda de Ópera" (94), de Oswald
LUIZ FERNANDO RAMOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
O Teatro Oficina é uma
obra coletiva, de artistas de várias gerações
que nos últimos 50 anos somaram esforços e talentos para
consolidar o mais importante
grupo de teatro do país. Mesmo
assim, cada um dos que colaboraram nessa trajetória reconhece o papel solar de José Celso Martinez Corrêa nesse cosmo de criação teatral, cinemática, informática e política que
se tornou a atual Uzyna Uzona.
Há muitas histórias do Oficina. Histórias oficiais, histórias
reais, a história de cada um que
passou por ali. Uma possível
narrativa é opor à trajetória de
Zé Celso -dramaturgo que se
torna encenador e ator e compositor e tribuno- a do coro,
surgido em "Roda Viva" e base
da prolífica terceira vida do
grupo (1994-2008). Nesse cruzamento de poética pessoal
com circunstâncias históricas,
e com aqueles que nelas se fizeram presentes na forma de vários e sucessivos coros, explicita-se a potência estética que até
hoje encanta e sobressalta platéias no espaço da rua Jaceguai,
no Bexiga, em São Paulo.
As três faces de Zé Celso
No começo, fim dos anos 50,
há um dramaturgo tímido que
emerge em um grupo de estudantes como encenador,
aprende rápido com mestres
como Eugênio Kusnet, estuda
referências fundamentais do
teatro no século 20 como Stanislavski e Brecht e chega a
montar espetáculos lendários,
como "Pequenos Burgueses" e
"Selva das Cidades". Em paralelo, há o brasileiro do interior,
formado pela rádio nacional e
por suas cantoras maravilhosas, que flertou na juventude
com o integralismo e, ao descobrir Oswald de Andrade, "estrela de absinto" de uma vida inteira, encenará o antológico
"Rei da Vela". Há ainda o advogado, polemista nato, envolvido na luta política e que, como
muitos de sua geração, vai romper nos anos 60 com a cultura e
os modos de vida burgueses.
Com o sucesso econômico e a
consagração da companhia por
público e crítica, o Oficina equilibra-se no confronto entre os
atores antigos, profissionais, e
o coro novo, da contracultura.
A tomada do poder pelo coro,
no início dos anos 70, leva à radicalização de "Gracias Señor",
quando dizer "teatro" significará dizer "te ato". Juntos e perseguidos pela ditadura militar,
Zé e coro passam a viajar pelo
Brasil e pelo exterior, tanto
geográfica como metaforicamente, em estados alterados de
consciência, e a realizar o projeto de tornar a arte vida. Nessas alturas, e lonjuras, o Oficina
sofre uma diáspora que espalha
reverberações pelo globo e parece encerrar sua história.
Quis o destino que, com a
poeira baixada e um novo teatro-rua construído, se iniciasse
um novo e frutuoso ciclo. Agora, Zé e coro estão recompostos
em um sistema de criação cujos
procedimentos vão se engendrando no processo. Esse novo
modo de produzir espetáculos
é uma invenção coletiva fundada na relação polar entre encenador e coro. Nos exemplos
mais notáveis -"Cacilda!",
"Bacantes" e "Sertões" (uma
pentalogia)-, Zé, além de compor a trama e traçar em versos
as partes faladas e cantadas, escreve a encenação em rubricas
sob medida para o espaço de Lina Bardi. Para materializar tudo isso, conta com a energia irrestrita de um coro disponível a
todos os desafios.
O novo musical brasileiro
Ao longo das 19 produções
realizadas desde 1994, a apropriação pelo coletivo dessas indicações prévias vem definindo
conceitos originais de cenotécnica, cenografia e iluminação.
Mais importante, na parceria
com diversos músicos, vem se
instaurando ali um padrão de
musical popular brasileiro. No
contraponto da Broadway, que
se avizinha e o ameaça, o Oficina opera com tecnologia nacional, know-how emanado das
tradições brasileiras do teatro
de revista e do Carnaval, mas
também imantado pela bossa
nova e pelo tropicalismo.
Se não fosse pela longevidade
e pela história repleta de façanhas, ter inventado um modo
próprio de fazer teatro já deveria valer a esse coletivo e a seu
mentor a condição de artistas
referenciais na cena contemporânea. A questão é pensar se
esse modelo cristalizado resistiria à ausência de um de seus
pólos operadores. Provavelmente não. Seria como separar
João Gilberto de seu violão.
LUIZ FERNANDO RAMOS é professor de teoria
do teatro da ECA-USP. Coordena o Grupo de
investigação do Desempenho Espetacular e o
Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas
da USP.
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