São Paulo, domingo, 17 de outubro de 2004

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CRÍTICA

TV dominical merece, mas não é desligada

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Apesar de ser um apelo razoável, hoje, entre 15h e 16h, dá para prever que não serão muitas as TVs desligadas em sinal de protesto. A idéia, da campanha Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania, de usar o boicote como forma de pressão até que é boa, mas o domingo parece ser o dia menos adequado para uma mobilização desse tipo.
De certa maneira, a programação de domingo é das mais representativas daquilo que se costuma classificar como baixaria, por que é quando a TV regride a seu estágio mais primitivo. A caixa preta a um canto da sala tem que mostrar movimento, som, luzes, cores. Tem que oferecer distração, em seu sentido mais concreto. Mas não é que, então, se reserva o melhor da TV para o domingo.
Parece ser o contrário: é o dia da letargia televisiva mais profunda, em que o imperativo é inventar a ilusão do movimento, de maneira que o telespectador fique o mais quieto possível diante da tela. O que não parece ser fácil. Os executivos da TV arrancam os cabelos para acertar na ilusão mais capaz de iludir o telespectador de que aquilo que ele vê é divertido, interessante etc.
Não é à toa que os principais programas dominicais precisam de animadores. Cabe ao (à) apresentador(a) criar uma atmosfera de histeria que dê a impressão de que está acontecendo ali alguma coisa de fato. Para o tempo escorrer lento do outro lado da tela, o (a) apresentador(a) tem que imprimir sempre um tom de urgência, de exclusividade.
Domingo, apesar de dia do descanso no mundo real, é também o dia da disputa mais acirrada por audiência. A concorrência entre os programas é coisa que se leva a sério, tão a sério que se faz de tudo para ganhá-la. Está aí o Gugu respondendo a processo por ter levado ao ar uma entrevista falsa com um membro do PCC mais falso ainda.
Por mais que a TV no domingo seja realmente o fim da picada e que, portanto, mereça ser calada, talvez seja o dia do telespectador mais passivo. Provavelmente, quem está hoje diante da TV é porque não tem ou não se interessa por outras alternativas de lazer. Em ambos os casos, é difícil renunciar ao barulho e animação, ainda que artificial, da TV para preencher esse vazio.
De qualquer maneira, desligar a TV, seja hoje ou em qualquer outro dia, é dos poucos instrumentos de pressão do telespectador. Esse tipo de campanha tem efeitos mais simbólicos do que efetivos, está claro, mas é nisso, por outro lado, que reside a sua importância. Afinal, é com isso mesmo que a mídia, e a TV, portanto, trabalha, com representações.
Um dos símbolos mais plásticos e essenciais da TV é o telespectador que engole tudo o que lhe é destinado, sem abrir o bico. Se se dissemina a idéia de que o telespectador não deve engolir tudo o que lhe destinam -mesmo que os resultados numéricos não sejam lá muito eloqüentes e ainda que seja aos poucos -, alguma coisa sempre acontece.


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