São Paulo, sábado, 17 de outubro de 1998

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Brasileiro confessa que não viu o filme

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

Sou talvez o único brasileiro (sem contar um ou outro índio ianomami) que não viu "Titanic".
Os motivos da recusa não foram ideológicos, mas bem prosaicos.
Primeiro, as filas. Só encaro filas com mais de dez pessoas para ver uma final ou pagar conta atrasada.
Segundo, o horário das sessões. Que fazer? Sair de casa no meio da tarde para pegar a sessão das 18h ou pegar a das 21h30 (e jantar tarde, ter pesadelos e me xingar no dia seguinte)?
Sim, claro, há o fim-de-semana. Um jeito de matar dois coelhos: ver o filme e sair com o filho de 7 anos. É aqui que essa crônica ganha ares de reportagem-denúncia.
Fui com meu filho num sábado ao Astor e entrei numa fila quilométrica. Na bilheteria me informaram que meu filho não poderia entrar, porque o filme era para maiores de 12 anos.
Lucas protestou: "Mas meus colegas todos já viram". E a bilheteira, abrindo um sorriso debilóide: "É só durante a semana que pode, meu fofo".
Percebem a jogada? Durante a semana, havia uns lugares ociosos no cinema, sobretudo nas sessões da tarde, então "vinde a nós as criancinhas". No fim-de-semana, as crianças tornavam-se indesejáveis, logo, "cumpra-se a lei".
Eu tinha duas opções. 1. Fazer meu filho cabular aula para ver "Titanic". Recusada. 2. Trair meu filho e ver sozinho. Nem pensar.
Mas no tempo em que fiquei na fila ouvi a história do "Titanic" contada várias vezes. Sei que mocinho bonito e pobre ama mocinha bonita e rica e morre no fim, como aliás quase todo mundo.
Ouvi também uma garota dizer ao namorado: "Eles merecem esse sucesso, né? Afinal, gastaram US$ 200 milhões".
É isso aí. Agora com o vídeo vou poder cumprir o dever cívico de dar uma força a "eles".



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