São Paulo, sexta-feira, 17 de novembro de 2000 |
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Novo livro de Fernando Morais fala sobre atuação de organização japonesa fanática Quando o Japão armou uma guerra no Brasil
CYNARA MENEZES ESPECIAL PARA A FOLHA Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Junji Kikawa se lembraria da marcha vitoriosa dos Exércitos imperiais sobre San Francisco, uma demonstração de força que os japoneses, vencedores da Segunda Guerra, dariam aos Estados Unidos, os grandes derrotados. Não houve fuzilamento nenhum, mas bem que poderia começar assim o novo livro de Fernando Morais, "Corações Sujos", a história real -e surreal- de imigrantes japoneses no Brasil dos anos 40 que se recusavam a aceitar a capitulação da terra do sol nascente para os aliados. "É muito Macondo", disse o escritor, atando definitivamente sua história verídica à tradição do realismo mágico no continente. "É uma coisa inexplicável, incompreensível, que 180, 200 mil pessoas se recusassem a acreditar em um negócio tão cristalino." Para Morais, do ponto de vista dos japoneses emigrados, porém, a derrota não tinha nada de realismo mágico, e sim uma lógica igualmente cristalina. "O Japão nunca tinha perdido uma guerra em 2.600 anos e todo mundo sabia que, se o país tivesse perdido a guerra, o primeiro a cometer o haraquiri (suicídio) seria o imperador. E Hiroíto estava vivo." Proibidos de falar a língua natal e sem falar português, de ouvir o rádio e de se reunir em grupos de mais de duas pessoas por ordem do governo, a isolada comunidade japonesa encontraria na sociedade Shindo Renmei, que nascia em nome da descrença na derrota do Japão, a ligação com o mundo. Da Shindo Renmei, os japoneses recebiam panfletos com notícias, a maioria delas inventada sob a inspiração alucinada de seu líder -o coronel Kikawa do começo dessa história. A sociedade secreta fundada pelos "vitoristas" logo se tornaria também uma organização sangrenta, responsável por uma série de crimes contra os "corações sujos" do título: gente que tinha cometido a falta de acreditar na derrota nipônica. O livro transforma a São Paulo pós-getulista em uma Chicago de gângsteres orientais fanáticos por Hiroíto, sempre à espera de navios imaginários que chegarão para resgatá-los do Brasil, pátria na qual não se sentem bem-vindos. É inevitável pensar em seu destino cinematográfico, e Fernando Morais surpreende, mesmo com o imbróglio de "Chatô", ao defender o ator e produtor Guilherme Fontes. "Se o Guilherme viesse com uma boa proposta, dava "Corações Sujos" para ele filmar agora mesmo", diz. Texto Anterior: Programação de TV Próximo Texto: Frases Índice |
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