São Paulo, sexta-feira, 17 de novembro de 2006

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Aïnouz defende a necessidade de sonhar

Cineasta cearense afirma querer provar com "O Céu de Suely" que "as pessoas podem mudar suas condições de vida"

Longa-metragem estréia hoje no país; diretor planeja show de Aviões do Forró em sessões no sertão, para "agregar alegria" ao cinema


Divulgação
A atriz Hermila Guedes vive jovem mãe que retorna de São Paulo a Iguatu, no sertão cearense, de onde tenta migrar novamente, no longa-metragem "O Céu de Suely"

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

O cearense Karim Aïnouz nunca foi operário, mas, aos 18 anos de idade, estava no ABC paulista, para "fazer greve".
Estudante de arquitetura na UnB, Aïnouz via na efervescência do movimento sindical daqueles 80 um indício de que "o mundo ia mudar, os paradigmas iam ser diferentes".
Hoje, aos 40, lançando seu segundo longa, "O Céu de Suely", Aïnouz enxerga sua geração como "o último respiro desse tipo de desejo utópico".
Foi aos que "buscam uma utopia" que o cineasta dedicou seu filme, na sessão competitiva do Festival do Rio, em setembro último, do qual saiu premiado melhor filme, diretor e atriz (Hermila Guedes).
Nas pesquisas para a produção de "O Céu de Suely", entrevistando jovens, Aïnouz sentiu-se "apavorado" com a idéia de que restaram às novas gerações apenas dois tipos de utopia.
"Existe o desejo de ter uma casa, um trabalho, essa utopia do dia seguinte", descreve, ou as de viés "sobrenatural".
Com a trajetória da protagonista Hermila -os atores de "O Céu de Suely" emprestam seus nomes aos personagens-, o diretor quis demonstrar que "é possível ter uma utopia aqui e agora, que as pessoas podem mudar suas condições de vida".

Volta ao sertão
Hermila (a personagem) tenta mudar a sua a partir do momento em que retorna de São Paulo, para onde migrara, a Iguatu, no sertão cearense.
Ela tem um filho pequeno, um ideal de relação amorosa, que rapidamente se dissolve, e sobretudo o sonho de encontrar um lugar que lhe pertença.
"O problema dela não é ser pobre. Ela tem um sonho e quer alcançá-lo de qualquer maneira. Eu quis falar de gente comum que tem problemas existenciais", diz o diretor.
A escolha de enfocar "gente comum" afastou do elenco caras carimbadas da TV. "Como o que interessa nesse filme é a trajetória emocional de um ser humano, ele só funciona se o espectador encarar o personagem como um ser humano, e não como alguém que viu na capa da revista de celebridades."
Ao abordar o sonho individual -a crença na utopia- de uma personagem comum, Aïnouz esbarra também em outros assuntos que lhe interessam tratar no cinema: "Queria falar do deslocamento, implodir a questão da migração como via de mão única e falar também de ética", afirma o diretor.
Elogiado pela crítica brasileira e internacional desde sua estréia em longas, com "Madame Satã" (2002), Aïnouz recusa o rótulo de autor de cinema de arte e afirma ser "contra criar campos antagônicos", como os que opõem o cinema de autor ao cinema comercial ou o cinema como um todo à TV.

Invenção
Embora evite o confronto, Aïnouz deixa claro que encara o cinema como "o lugar de invenção, da imaginação, da ponta de lança", num papel semelhante ao que "as artes plásticas têm" de oxigenar a produção das diversas esferas artísticas.
Transposta para "O Céu de Suely", essa perspectiva significa o afastamento da "gramática comumente adotada pela TV, baseada no texto, no plano e contra-plano, na narrativa clássica, com começo, meio e fim", em favor de uma estrutura narrativa "não necessariamente dependente do texto, que aposta no silêncio, no não-dito, na sugestão mais do que na explicação, algo menos dependente da reincidência da trama".
Com estréia prevista para diversas cidades no país, a partir de hoje, em etapas, "O Céu de Suely" deve chegar também a Iguatu e a Cabrobó (PE), cidade-natal de Hermila Guedes.
Nesses lugares, Aïnouz quer que as projeções sejam antecedidas por shows dos Aviões do Forró, célebres no Nordeste. A intenção do diretor é "agregar ao filme certa alegria e agregar ao cinema outras expressões culturais, para torná-lo mais atraente".

No blog Ilustrada no Cinema, Karim Aïnouz fala sobre Lázaro Ramos e atores de TV http://ilustradanocinema.folha.blog.uol.com.br/

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