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Crítica/"O Céu de Suely"
Diretor constrói um generoso estudo de personagem feminino
SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA
Um outro mundo é possível: o slogan político,
adotado na última década pelos movimentos anti-globalização, ajuda a traduzir a
busca de uma nova ordem, desta vez de caráter pessoal (ainda
que não desvinculada do cenário socioeconômico), em "O
Céu de Suely".
Para Hermila, a personagem
central, é preciso mesmo que
haja outro mundo, já que o seu
virou um lugar doloroso de habitar. Precocemente, diga-se:
ela tem apenas 21 anos, mas, à
semelhança de tantas jovens,
precisa duelar com as difíceis
circunstâncias mais imediatas
para inventar horizontes com
os quais sonhar.
No início, tem-se a volta da filha pródiga, com uma criança
no colo, a Iguatu (Ceará), de onde havia fugido, anos antes,
com o namorado, que vem a ser
o pai do menino. Em um mês,
acredita Hermila, ele se juntará
à família e venderá CDs e DVDs
piratas na praça da cidade.
O tempo passa, as coisas não
correm como o previsto, e "O
Céu de Suely" então acompanha, em forma de fragmentos, o
cotidiano da protagonista -seu
relacionamento com a avó e a
tia, com uma jovem que trabalha como garota de programa
de caminhoneiros, com um ex-namorado, com a sogra.
É ao lado da protagonista
(excelente composição da estreante Hermila Guedes) que o
diretor Karim Aïnouz ("Madame Satã") nos mantém, do começo até a penúltima imagem.
Ficamos perto não apenas dela,
mas de todos à sua volta, de tal
maneira que seria traição moral pensar em alguma coisa que
não seja compreendê-los.
Generoso estudo de personagem feminina, o filme - escrito
por Aïnouz, Mauricio Zacharias e Felipe Bragança - trata
Hermila como a parte que traduz o todo (o drama de mulheres jovens no interior do país),
ao mesmo tempo em que Iguatu funciona, na mistura inusitada do arcaico com o contemporâneo, como cenário representativo de certa ordem global.
Ordem que leva à errância
(lembre-se, entre muitos, dos
personagens de "Still Life", do
chinês Jia Zhang-Ke, exibido
na Mostra de São Paulo), à perda de laços e à reconstrução
obrigatória de conexões com os
outros, mas, principalmente,
com os próprios desejos - eis o
"céu" de que fala o título.
Ao manipular com habilidade referências diversas do cinema contemporâneo, Aïnouz
promove também o pulo do gato: embora dê a seu filme caráter internacional, o faz adquirir
vida da cor local.
O CÉU DE SUELY
Direção: Karim Aïnouz
Produção: Brasil/Alemanha/França, 2006
Com: Hermila Guedes, Marcelia Cartaxo e João Miguel
Quando: em cartaz a partir de hoje nos cines Unibanco Arteplex, Frei
Caneca, Reserva Cultural e circuito
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