São Paulo, sexta-feira, 17 de novembro de 2006

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Crítica/"O Céu de Suely"

Diretor constrói um generoso estudo de personagem feminino

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

Um outro mundo é possível: o slogan político, adotado na última década pelos movimentos anti-globalização, ajuda a traduzir a busca de uma nova ordem, desta vez de caráter pessoal (ainda que não desvinculada do cenário socioeconômico), em "O Céu de Suely".
Para Hermila, a personagem central, é preciso mesmo que haja outro mundo, já que o seu virou um lugar doloroso de habitar. Precocemente, diga-se: ela tem apenas 21 anos, mas, à semelhança de tantas jovens, precisa duelar com as difíceis circunstâncias mais imediatas para inventar horizontes com os quais sonhar.
No início, tem-se a volta da filha pródiga, com uma criança no colo, a Iguatu (Ceará), de onde havia fugido, anos antes, com o namorado, que vem a ser o pai do menino. Em um mês, acredita Hermila, ele se juntará à família e venderá CDs e DVDs piratas na praça da cidade.
O tempo passa, as coisas não correm como o previsto, e "O Céu de Suely" então acompanha, em forma de fragmentos, o cotidiano da protagonista -seu relacionamento com a avó e a tia, com uma jovem que trabalha como garota de programa de caminhoneiros, com um ex-namorado, com a sogra.
É ao lado da protagonista (excelente composição da estreante Hermila Guedes) que o diretor Karim Aïnouz ("Madame Satã") nos mantém, do começo até a penúltima imagem.
Ficamos perto não apenas dela, mas de todos à sua volta, de tal maneira que seria traição moral pensar em alguma coisa que não seja compreendê-los.
Generoso estudo de personagem feminina, o filme - escrito por Aïnouz, Mauricio Zacharias e Felipe Bragança - trata Hermila como a parte que traduz o todo (o drama de mulheres jovens no interior do país), ao mesmo tempo em que Iguatu funciona, na mistura inusitada do arcaico com o contemporâneo, como cenário representativo de certa ordem global.
Ordem que leva à errância (lembre-se, entre muitos, dos personagens de "Still Life", do chinês Jia Zhang-Ke, exibido na Mostra de São Paulo), à perda de laços e à reconstrução obrigatória de conexões com os outros, mas, principalmente, com os próprios desejos - eis o "céu" de que fala o título.
Ao manipular com habilidade referências diversas do cinema contemporâneo, Aïnouz promove também o pulo do gato: embora dê a seu filme caráter internacional, o faz adquirir vida da cor local.


O CÉU DE SUELY    
Direção: Karim Aïnouz
Produção: Brasil/Alemanha/França, 2006
Com: Hermila Guedes, Marcelia Cartaxo e João Miguel
Quando: em cartaz a partir de hoje nos cines Unibanco Arteplex, Frei Caneca, Reserva Cultural e circuito


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