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Peças miram limite entre o real e a ficção
Diretores adeptos do teatro documentário fazem longas entrevistas para tirar a "máscara social" dos relatos
"Tudo o que se vê em cena é ficção; não é possível capturar a verdade", afirma a diretora Vivi Tellas
EM BUENOS AIRES
Numa sala do campus da
New York University em plena Buenos Aires, estudantes
americanos de literatura assistem intrigados à explanação da diretora Vivi Tellas.
Ela apresenta seu teatro de
(e com) gente comum falando do câncer não anunciado
à mãe de 95 anos ("Cozarinsky e seu Médico"), da
descoberta do prazer na terceira idade ou do faz-de-conta católico num ambiente antissemita, na infância (em
"Minha Mãe e Minha Tia").
"Mas uma hora seus parentes [protagonistas de "Minha Mãe...'] começaram a
atuar, né?", indaga um deles.
"Claro. O espetáculo ficou
em cartaz por três anos. Depois de tantas apresentações, não era mais tão espontâneo", responde ela, antes
de provocar. "Tudo o que se
vê em cena é ficção. A verdade se perde ao acontecer, é
impossível de capturar. Trabalho no limite em que a realidade começa a ser ficção."
A essa zona nebulosa ela
dá o nome de umbral mínimo
de ficção. E cuida para que,
nos ensaios com seus performers/intérpretes, "caia a
máscara social de ser agradável", abrindo espaço para a
"parte feia", a mesma que interessa a Marcelo Soler, diretor da Cia. Teatro Documentário, em São Paulo, uma das
primeiras a se dedicar exclusivamente à vertente no país.
"A própria memória já tem
um mecanismo seletivo e
criativo, conta histórias para
nós que talvez não sejam "a"
história", afirma ele. "O documentário não quer trazer o
real para a cena, mas documentar os pontos de vista sobre ele. Assim, a contradição
e a mentira podem ser interessantes, o desonesto revelando percepções sociais."
O diretor suíço Stefan Kaegi, que já sacou teatro das
confidências de porteiros,
operadores de telemarketing
e da conduta imprevisível de
coelhos e iguana postos a
contracenar com seus donos,
é mais reticente em admitir
essa "intromissão" ficcional.
"Pode ser. Não verifico [a
autenticidade dos relatos].
São trabalhos sobre o que
eles acham que a vida deles
é. Não é terapia. Mas não
aceito idealização demais."
ALARME
Independentemente da latitude, os métodos de quem
se propõe a fazer teatro documentário são parecidos.
Sempre há longas entrevistas (que podem ser filmadas ou não) para mapear
anedotas, cacoetes e predileções mas também (e sobretudo) questões mal resolvidas e
fantasmas das pessoas das
quais se vai tratar. Elas podem tanto estar em cena
quanto ser encarnadas por
atores (como acontece na
companhia paulistana).
"Me interessa quando o
alarme soa, quando as coisas
não batem", explica Vivi.
Nos ensaios, ela lança mão
de algumas "boias": pede
que os performers tragam fotos, cartas e objetos, além de
sondar sobre acidentes e
acerca da relação deles com a
arte. E vai selecionando as
declarações mais contundentes, nas quais pede que o
elenco se fixe.
Vivi enxerga em Stefan
uma abordagem mais "jornalística" dos temas, sem tanta
preocupação com a teatralidade. Ex-jornalista, ele rechaça a aproximação. "Em
110 linhas, tinha de explicar
o mundo. Era muito estressante. Não conseguia me
aproximar das realidades
que desejava retratar."
(LUCAS NEVES)
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