|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
Documentário se desdobra em "autoteatro"
EM BUENOS AIRES
Na tarde do último sábado, a sala de estudos secundária da Biblioteca Nacional
da Argentina, em Buenos Aires, era só silêncio. Ou talvez
não só, como sugeria a intervenção/site specific "Volume Silencioso", que integra o
projeto "Cidades Paralelas",
curado por Stefan Kaegi e sua
mulher, Lola Arias.
Trata-se de um exemplar
de autoteatro, subdivisão do
teatro documentário. Com fones no ouvido, o participante
é instruído a perceber os ruídos que cortam a circunspecção do lugar: o estudante
que, irritado com a matemática, coça a cabeça, a jovem
que passa a página bruscamente, o celular que toca antes de ser desligado por alguém de faces coradas...
Depois, a voz guia por páginas de José Saramago, Kasuo Ishiguro, Agota Kristof e
de um livro fotográfico. Por
vezes, o sussurro replica o
que está escrito. Em outras,
insere a história na perspectiva de um personagem, confundindo quem acompanha.
Mais adiante, pede que se
leia com o volume de ponta-cabeça ou que se "cole" em
páginas brancas contornos
de palavras recém-ouvidas.
Autoteatro é mais ou menos isso: infiltrar-se num
mundo e lançar um olhar detido sobre seus códigos. E no
processo, é claro, ser alvo de
olhares recriminadores da
turma do entorno, que ignora
ser testemunha de uma cena.
HISTÓRICO
As bases do teatro documentário já tinham sido lançadas por Georg Büchner em
"A Morte de Danton", de
1835, com reprodução parcial de autos e obras históricas. Mas a intenção aqui ainda era ficcional, como em
"As Bruxas de Salém", de Arthur Miller, sobre a investigação de pessoas supostamente envolvidas em práticas demoníacas em Massachussetts, no fim do século 17.
Coube de fato a Erwin Piscator, nas décadas de 1920 e
1930, dar roupagem moderna à vertente. Dados de não-ficção (filmes, estatísticas,
notícias) surgiam sem preocupação com linearidade,
narrativa aristotélica. O foco
era o processo histórico, não
conflitos de personagens.
No Brasil, Augusto Boal
(1931-2009) flertou com o documentário no "Teatro Jornal", desdobramento do Teatro do Oprimido. Agora, a
Cia. Teatro Documentário
percorre casas paulistanas
em busca dos flagrantes domésticos com que tecerá uma
peça a estrear em maio.
(LN)
Texto Anterior: Frases Próximo Texto: FOLHA.com Índice | Comunicar Erros
|