São Paulo, quarta-feira, 17 de novembro de 2010

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Documentário se desdobra em "autoteatro"

EM BUENOS AIRES

Na tarde do último sábado, a sala de estudos secundária da Biblioteca Nacional da Argentina, em Buenos Aires, era só silêncio. Ou talvez não só, como sugeria a intervenção/site specific "Volume Silencioso", que integra o projeto "Cidades Paralelas", curado por Stefan Kaegi e sua mulher, Lola Arias.
Trata-se de um exemplar de autoteatro, subdivisão do teatro documentário. Com fones no ouvido, o participante é instruído a perceber os ruídos que cortam a circunspecção do lugar: o estudante que, irritado com a matemática, coça a cabeça, a jovem que passa a página bruscamente, o celular que toca antes de ser desligado por alguém de faces coradas...
Depois, a voz guia por páginas de José Saramago, Kasuo Ishiguro, Agota Kristof e de um livro fotográfico. Por vezes, o sussurro replica o que está escrito. Em outras, insere a história na perspectiva de um personagem, confundindo quem acompanha.
Mais adiante, pede que se leia com o volume de ponta-cabeça ou que se "cole" em páginas brancas contornos de palavras recém-ouvidas.
Autoteatro é mais ou menos isso: infiltrar-se num mundo e lançar um olhar detido sobre seus códigos. E no processo, é claro, ser alvo de olhares recriminadores da turma do entorno, que ignora ser testemunha de uma cena.

HISTÓRICO
As bases do teatro documentário já tinham sido lançadas por Georg Büchner em "A Morte de Danton", de 1835, com reprodução parcial de autos e obras históricas. Mas a intenção aqui ainda era ficcional, como em "As Bruxas de Salém", de Arthur Miller, sobre a investigação de pessoas supostamente envolvidas em práticas demoníacas em Massachussetts, no fim do século 17.
Coube de fato a Erwin Piscator, nas décadas de 1920 e 1930, dar roupagem moderna à vertente. Dados de não-ficção (filmes, estatísticas, notícias) surgiam sem preocupação com linearidade, narrativa aristotélica. O foco era o processo histórico, não conflitos de personagens.
No Brasil, Augusto Boal (1931-2009) flertou com o documentário no "Teatro Jornal", desdobramento do Teatro do Oprimido. Agora, a Cia. Teatro Documentário percorre casas paulistanas em busca dos flagrantes domésticos com que tecerá uma peça a estrear em maio. (LN)


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