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FERNANDO BONASSI
Breve estudo sobre a normalidade
Normalmente é um encontro. Normalmente é
num tesão. Normalmente é um
receio. Normalmente é uma espera. Normalmente é urgente.
Normalmente é cesariana. Normalmente o leite empedra. Normalmente as fraldas fedem. Normalmente os filhos crescem. Normalmente as tias mimam. Normalmente as mães reclamam.
Normalmente os pais se mandam... normalmente é uma outra.
Normalmente dá despesa. Normalmente dá trabalho. Normalmente é sem emprego.
Normalmente o recheio é pouco. Normalmente a casca é grossa.
Normalmente o buraco é fundo.
Normalmente é lá pra baixo (normalmente o mais gostoso).
Normalmente o rabo não encurta, a curiosidade não mata e
nem todos que têm boca chegam
a Roma.
Normalmente as camisinhas
são guardadas, as contas pagas,
inconfidências escapam, o estômago se revolta, o veneno é conhecido e alguém já havia pensado nisso antes.
Normalmente os últimos ficam
sem. Normalmente os primeiros
têm mais medo. Normalmente os
do meio não levam vantagem.
Normalmente é sacanagem.
Normalmente vocações são encontradas, normalmente virgindades são perdidas: os dedos
apontados, as pernas abertas, as
mãos estendidas.
Normalmente os calos surgem.
Normalmente o sapato aperta.
Normalmente o troço é mole.
Normalmente o espelho alerta.
Normalmente a vingança é fria.
Normalmente faltam dentes.
Normalmente o vizinho espia.
Normalmente a orelha quente.
Normalmente os mudos se fazem de surdos e os cães guiam os
cegos.
Normalmente falta luz.
Normalmente a água bate por
aqui. Normalmente aqui é o único lugar. Normalmente os afogados comem o peixe cru. Normalmente coisas são pescadas no ar.
Normalmente o ar está poluído
pelas coisas que são arremessadas
nele.
Normalmente encanamentos e
encanadores dão problemas de
manutenção.
Normalmente a inocência é
uma explicação.
Normalmente é o passado, uma
oportunidade, um sofrimento,
uma esperança. Normalmente é
um consolo. Normalmente se
ajeita, se conversa, se aceita.
Normalmente amanhece o dia.
Normalmente suaviza a noite.
Normalmente sonhos e pesadelos se confundem. Normalmente
a confusão é desfeita com um
pouco de consciência. Normalmente consciência é sabedoria.
Normalmente a sabedoria está na
escola. Normalmente os professores corrigem provas. Normalmente as provas são insuficientes.
Normalmente os curiosos são
mais rápidos que a polícia; a polícia mais rápida que as ambulâncias e as ambulâncias mais rápidas que os carros funerários.
Normalmente é tiro trocado, é
arma raspada, é sem testemunha.
Normalmente as leis são compridas e as letras minúsculas.
Normalmente as obrigações são
maiores. Normalmente os juízes
não têm pena.
Normalmente os sorrisos, as piteiras, as roupas de baixo, os jornais e as fotografias amarelam.
Normalmente os mapas se complicam, os tênis se desgastam, os
povos se misturam, as paixões se
esgarçam, os monumentos são recobertos pela bosta das pombas e
a História se repete.
Normalmente os pedestres são
atropelados pelos bois, os bois são
atropelados pelos carros, os carros
pelos ônibus, os ônibus pelos trens
e muitos aviões sobem por aqueles que caem. Normalmente as estatísticas confortam os ateus.
Normalmente ateus viajam de
avião. Normalmente os ateus vão
à igreja.
Normalmente o Diabo tenta.
Normalmente Deus perdoa.
Normalmente a carne é fraca e
a vontade é grande. Normalmente é de fumar, é de beber, é de
cheirar ou de comer. Normalmente é proibido. Normalmente é
tudo junto. Normalmente a gente
faz.
Normalmente os valores passam pelas rugas, a decência pelas
blusas, os ferros pelos vincos, os
prazeres pelas calças, a poesia pelas musas, as malas pelas alças e
os inimigos pelas costas.
Normalmente as feridas cicatrizam e as varizes aparecem. Normalmente os sacos enchem e as
bundas caem. Normalmente é cada vez mais ginástica por peso
vencido. Normalmente há um
sentido. Normalmente há um
marido.
Normalmente não tem cigarro.
Não tem pulmão. Normalmente
não tem trocado, não tem espaço,
não tem importância.
Normalmente é da carteira pra
bolsa e da bolsa pro caixa. Normalmente é o mercado, o supermercado, o hipermercado etc.
Normalmente é uma hora e outra. Normalmente é desde sempre. É um ovo, um arroz e um feijão. Normalmente há uma razão.
Normalmente só complica. Normalmente é um princípio. Normalmente um precipício.
Normalmente está lotado: um
caminho é cortado, palavrões arremessados no retrovisor, milhões
de mortos no televisor.
Normalmente atrás vem mais.
Normalmente uma necessidade.
Normalmente é outra fila, uma
taxa, uma bolacha.
Normalmente a especialidade é
cara, o salário é pouco, a fome é
tanta, o remédio é raro... mas a
morte é certa.
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