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DISCOS/LANÇAMENTOS
Série "Pra Sempre" estréia remasterizando e reembalando com luxo a rebeldia romântica dos 60
RC abandona o desleixo em reedição de obra
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
Roberto Carlos vinha sendo
tratado com desleixo nos últimos anos, apesar da imensa popularidade de que continua a gozar e de permanecer sendo um incrível vendedor de discos para a
multinacional Sony, em que ele
trabalha há 43 anos.
O início da reedição de sua obra
em cinco caixas luxuosas de CDs,
batizada "Coleção Pra Sempre",
desvia a trajetória de descuido
que vinha sendo cumprida pela
Sony, em CDs sempre relançados,
mas nunca remasterizados devidamente, nunca enriquecidos de
cuidados gráficos e históricos.
O descaso era legitimado pelo
próprio artista, que se abandonara em manias que motivavam
chacotas de seus súditos, mas
ocultavam problemas psicológicos bem mais profundos. O advento da fase anos 60 da "Coleção
Pra Sempre" consolida um crescimento de autoconsciência crítica
a partir de um "Rei" que é a cara
do país que o tratou como "rei",
mas sempre o amou com um misto de paixão e desprezo.
A partir das lindas capinhas reproduzindo em miniatura os LPs
de sua fase mais vivaz e luminosa,
pode-se agora rever o impacto e a
importância da presença de Roberto Carlos não só no imaginário
popular nacional, mas também
na cultura e na arte do Brasil.
Os 60 foram os anos de aventura
do trator RC, os tempos de entrada agressiva num mercado de
massa ainda em formação. Quem
estava sob o holofote era o "rei do
rock'n'roll", um condensado tipo
"todos num homem só" e em versão subdesenvolvida de Elvis
Presley, Beatles, Beach Boys etc.
Nessa omelete cabia também
João Gilberto, e isso o RC de auto-estima esburacada ainda luta por
ocultar. Pois está fora dessa primeira etapa seu LP de estréia,
"Louco por Você" (61), que já cobiçava o "pop", mas ainda recolhia restos de um início hesitante
entre rock e bossa nova, entre Elvis e João, entre o cidadão (marginalizado) do mundo e o capixaba
interiorano (marginalizado).
Roberto e a Sony perdem a
oportunidade de se reavaliarem
na íntegra, seja pela ausência de
"Louco por Você", seja pela exclusão no projeto do farto material de faixas avulsas e raras daqueles anos velozes. (Tais ausências são o lado oculto da lua da
edição "inédita" do pálido DVD
"Pra Sempre - Ao Vivo no Pacaembu", um misto de recuperação e medo de descongelar.)
Só para lembrar, RC começou
em 1959 sob a tutela de Carlos Imperial, cantando "João e Maria" e
"Fora do Tom", que simultaneamente imitavam e ridicularizavam a bossa de João Gilberto e
Tom Jobim. Parecem constranger
o RC sóbrio e sério de hoje, mas
são quitutes históricos de grande
singeleza e sinceridade. Roberto e
seu Brasil precisam delas para
avançar no percurso de voltarem
a se olhar no espelho de modo
gentil, generoso e tolerante.
De volta ao que há na caixa, a
forja contraditória do rebelde romântico rende os primeiros clássicos autorais (leia ao lado) do
que se poderia chamar "roque
brasileiro" . Num tempo não tão
distante em que a música jovem
local só copiava e traduzia versões, "Parei na Contramão" (63)
inaugurava a revolução ao lançar
a dupla mais coesa da história da
música brasileira, formada por
Roberto e por sua metade oculta
(e genial), Erasmo Carlos.
A rebeldia era adocicada e causava pruridos na vertente militante da MPB -a rígida canção de
protesto. Mas, a seu modo talvez
tolo e superficial, RC e sua trupe
desafiavam como ninguém (ao
menos até surgir a faixa de Gaza
tropicalista, em 67) um imaginário moralista de início de ditadura
militar, de dogmas religiosos, de
casamentos indissolúveis. Nascia
sob pancadaria uma corajosa e
medrosíssima juventude transviada verde-amarela.
O jeito era soterrá-los sob acusações de "alienados", antipatrióticos (seu som seria, supostamente, "estrangeiro"), reacionários.
Em parte era verdade, mas os juízos acusatórios vindos da direita e
da esquerda foram decisivos para
atirar RC dentro daquilo que as
críticas "denunciavam". "Quero
Que Vá Tudo pro Inferno" (65)
resiste como o grito abafado contra o Brasil opressor dos anos 60,
um dos momentos de êxtase da
história da música daqui.
Sim, soava como grossa alienação -RC seria um artista conservador, estava escrito. Mas quando
a coisa degringolou de vez -o
Ato Institucional nš 5-, o futuro
ídolo romântico sem pingos de
amor-próprio renunciou ao iê-iê-iê e desferiu sua grande tacada.
O "Roberto Carlos" de 69, com
"Sua Estupidez", "As Curvas da
Estrada de Santos" e "As Flores do
Jardim da Nossa Casa", era, acredite, um libelo intuitivo contra a
escalada da violência, jamais
compreendido. Sob a assinatura
do negro marginalizado Tim
Maia, RC gritava "Não Vou Ficar", antes mesmo que o militarismo decretasse que aos brasileiros só eram permitidas as opções
de amar ou deixar o Brasil.
Roberto Carlos ficou.
Coleção Pra Sempre - Anos 60
Artista: Roberto Carlos
Lançamento: Sony
Quanto: R$ 230, em média (8 CDs)
Ao Vivo no Pacaembu
Quanto: R$ 60 (DVD) e R$ 70 (DVD mais
CD), em média
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