São Paulo, sábado, 17 de dezembro de 2005

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CRÍTICA

Obra percorre esnobismo social da elite britânica

CÁSSIO STARLING CARLOS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Na época do anúncio do Booker Prize para Alan Hollinghurst, a imprensa britânica saudou o autor menos pelas qualidades narrativas da obra e mais pelo fato de o vencedor ser um escritor gay, com temática explicitamente gay.
Diante do texto, o leitor gay pode até se interessar indiretamente por meio de alguns jogos de identificação oferecidos pela ficção, mas o que tornaria uma ficção mais ou menos interessante pelo fato de ser gay? Para borrar a importância desse tipo de avaliação o instrumento mais eficaz é abrir o romance de Hollinghurst.
Um convidado. Até no sobrenome o jovem Nick Guest carrega a ambigüidade desse premiado "A Linha da Beleza".
Pois, ao mesmo tempo em que vive à custa de uma certa classe e experimenta seu típico esnobismo social no período de 1983 a 87, Nick é testemunha das mutações históricas e morais vistas da ótica desse grupo.
Com base nessa tensão, Hollinghurst tece um painel geracional do Reino Unido no auge do thatcherismo. Se fosse só isso, "A Linha da Beleza" seria só interessante. O que o torna atraente é a estrutura da degradação que acompanha o olhar decadentista que Hollinghurst lança a esse mundo.
Mas não se trata de um decadentismo à la Wilde (cujo herdeiro britânico seria Will Self) e, sim, de um retratismo, cuja referência explícita reivindicada no romance é Henry James. Só que agora aquelas senhoras e cavalheiros de moral ambígua estão movidos a tédio, cocaína e sexo a granel.
Protagonista e testemunha onisciente, Nick Guest é o álibi perfeito para Hollinghurst projetar seu olhar sobre aquela Londres anos 80, mergulhada na ascensão de jovens da elite criada em Oxford (equivalente britânico dos yuppies da era Reagan, mas aqui carregados do esnobismo upper class) e retratar seus valores (ou falta de). Do narcisismo niilista dos personagens emana uma visão bastante justa daquela época.
Melhor ainda, Hollinghurst não se contenta em demonstrar a trajetória do grupo como "depravação". Seu olhar moral só adquire tonalidades moralistas quando descreve, com ironia, as poses e atitudes do grupo Tory, uma geração acima, mas não menos imbuída de uma ética do tipo vale-tudo.
É do contraste desses dois grupos, dessas duas linhas, que o autor vai traçar sua linha da beleza. E oferecer ao leitor um dos mais bem construídos romances de deformação dos nossos tempos.


A Linha da Beleza
    
Autor: Alan Hollinghurst
Tradução: Vera Whately
Editora: Nova Fronteira
Quanto: R$ 49,90 (464 págs.)


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