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Sertão é "semente" de "A Pedra do Reino"
Luiz Fernando Carvalho opta por filmar
na Paraíba para evitar "folclorismo"
Para ele, "criação não vem
para explicar nada, tem que
vir para confundir"; próxima
adaptação será de romance
de João Paulo Cuenca, do RJ
Renato Rocha Miranda/TV Globo
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Gravação da microssérie "A Pedra do Reino", da TV Globo, que integra o projeto "Quadrante" |
ESTHER HAMBURGER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Na entrevista abaixo, feita
em Taperoá, no sertão da Paraíba, Luiz Fernando Carvalho
fala sobre os propósitos de
"Quadrante", seu novo projeto,
um conjunto de microsséries
que abre com a "A Pedra do
Reino". Na contramão do naturalismo que grassa no cinema e
na televisão, o diretor pesquisa
formas alternativas de expressão. Na esteira do filme "Lavoura Arcaica" e da série "Hoje É
Dia de Maria", Carvalho vem
propondo soluções visuais inovadoras, com base em textos literários adaptados em parceria
com Luís Alberto de Abreu.
Em "A Pedra do Reino", o diretor optou por filmar em 16
mm, em vez da câmera digital
da microssérie anterior. Mas é
possível traçar uma linha de
continuidade que perpassa
seus diversos trabalhos, configurando um estilo próprio. Há
confinamento na filmagem,
poucas externas, planos longos
e pouca câmera na mão.
Uma cidade cenográfica foi
construída em uma rua de Taperoá, usando casas da cidade.
Algumas fachadas permanecem inalteradas, outras ganharam ornamento em gesso, inspirado em lápides de cemitérios locais. Moradores seguem
habitando suas casas-cenário.
A busca da luz difusa permanece. A rua é fechada por um portal que serve de estúdio polivalente: igreja, sala de aula, gabinete e portal propriamente.
FOLHA - Qual a idéia do projeto
"Quadrante"?
LUIZ FERNANDO CARVALHO - A idéia
é realizar uma adaptação literária por semestre, tendo como
base o trabalho de escritores
contemporâneos regionais, jovens em plena produção. Ariano funciona como um abre-alas, por ser quem ele é, alguém
que pensa a brasilidade. Outros
são mais conhecidos em seus
estados, como o maravilhoso
contista gaúcho Sérgio Faraco.
Todas as produções serão rodadas em locações, empregando
elenco e artesãos locais.
FOLHA - Por que trabalhar com
adaptações literárias?
CARVALHO - A literatura consegue trabalhar nas entrelinhas.
A vida não fica restrita a ação e
reação, causa e efeito, moral da
história, bom e mau.
FOLHA - Vocês criaram uma cidade
cenográfica viva em pleno sertão.
Qual a importância da geografia
desse lugar para o projeto?
CARVALHO - Estarmos aqui no
sertão é fundamental na preparação de tudo. O território é a
semente. É como se estivéssemos entrando no espaço da ancestralidade. Não só do autor,
Ariano, mas da minha, que tenho parte da família nordestina, e dos atores, que são todos
nordestinos. Daí a idéia da cidade-lápide como uma cidade-memória.
FOLHA - Você busca enraizamento
para conseguir transcender o local?
CARVALHO - Para não cair no
folclorismo. A luta da vida contra a morte está no cerne da vida do sertanejo. Esse fio de navalha entre a seca e o inverno.
Um grande agropecuário pode
se transformar em um retirante em poucos meses. E quando
você incorpora essa possibilidade de um dia perder tudo, você começa a rir da sua insignificância. Você percebe que é apenas mais uma coisa ao lado daquele pé de árvore que vai secar.
FOLHA - Quaderna, o anti-herói da
história, é um contador de histórias
que viaja no tempo desse reino-país-mundo...
CARVALHO - No tempo de hoje,
Quaderna é esse velho ator, velho rei, velho palhaço, que, ao
mesmo tempo que continua
pelas estradas atrás de um tesouro deixado pelos seus antepassados, permanece no centro
da arena, contando a sua história. No meio de toda aquela praça cheia de gente de roupa de
hoje em dia, está lá o pai dele. O
público é o povo de Taperoá,
onde a história real se deu. O
público vai estar assistindo à
sua própria história ser recontada.
FOLHA - Por que uma arena?
CARVALHO - A arena cheia é a
configuração de um espetáculo
medieval, uma mistura de teatro de rua com auto sacramental. A idéia da arena é a de espremer a história em um espaço único, de forma que cada elemento que entre ali ganhe uma
proporção mítica. Como em
uma tragédia grega, nessa microssérie não existem cenas
apenas para refrescar a narrativa. Não há lugar para o prosaico.
FOLHA - Quaderna alia a esperteza
de um outro personagem de Suassuna, o João Grilo, com um lado quixotesco...
CARVALHO - Ele tem um lado esperto, mas quanto mais ele cria,
mais ele confunde. A criação é
isso mesmo, não vem para explicar nada, tem que vir para
confundir. No interrogatório,
Quaderna faz uma grande confusão, com doses elevadíssimas, a um só tempo, de requinte, humor e tragédia. Ele espalha risos, dores, desvela falsos
moralismos. Redige sua defesa
judicial ao mesmo tempo em
que escreve sua grande obra.
FOLHA - Estamos há centenas de
quilômetros da costa. A experiência
do deslocamento rumo a essa paisagem árida imensa gera estranhamento. Aqui, o celular não pega, há
poucos telefones. Esse isolamento
ajuda?
CARVALHO - É muito importante. Estamos todos viciados em
meia-dúzia de regras de cidade
grande. É o celular. É andar na
rua sem olhar para o céu porque há iluminação demais que
impede de ver estrelas.
FOLHA - Depois dessa estada no
sertão da Paraíba, o próximo....
CARVALHO - Será uma estada no
sertão de Copacabana, para fazer "Corpo Presente", de João
Paulo Cuenca. Eu digo sertão
de Copacabana porque, de certa forma, ao me aproximar da
literatura, estou fugindo de
qualquer forma realista, ou naturalista de encenação. Entendo que o naturalismo que se faz
hoje não chega nem a se consolidar como linguagem. Ele é
simplesmente nada. O naturalismo televisivo, mas também a
atuação, na grande maioria das
vezes, infelizmente é apenas
uma questão de carisma do ator
e do autor.
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