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Caixa refaz trajetória de Ney Matogrosso
"Camaleão" reúne álbuns que o cantor
lançou entre 1975 e 1991, da música mais sofisticada ao pop mais efêmero
Para pesquisador, todos os grandes sucessos da carreira solo estão na caixa, e tudo que Ney fez depois foi desdobramento dessa fase
Thereza Eugenia/Divulgação
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"Fui rejeitado por direita e esquerda. Eu não tinha nenhuma intenção política, só existencial', diz Ney
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Em 1975, com a ditadura ainda mais para escancarada do
que encurralada, Ney Matogrosso aparecia seminu no encarte de "Água do Céu - Pássaro", seu primeiro disco solo
(pós-Secos & Molhados), e ainda simulava um orgasmo na faixa "Açúcar Candy". Era preciso
ser muito macho.
"Naquele momento era muito chocante. E intencionalmente. Era um embate com a
censura, o governo. Eu estava
defendendo a minha liberdade
de expressão e me excedia mesmo", recorda Ney, agora com
67. "Fui rejeitado por direita e
esquerda. Eu não tinha nenhuma intenção política, só existencial. Mas já ouço depoimentos de pessoas que dizem que
eu lutei com armas mais eficazes do que a guerrilha."
A avaliação do papel histórico de Ney é muito facilitada
com "Camaleão", caixa que
reúne os 16 álbuns que ele lançou entre 1975 e 1991 e mais um
de raridades -198 faixas ao todo. O minucioso trabalho do
pesquisador Rodrigo Faour,
viável após licenças das várias
gravadoras, ressuscita discos
que não tinham saído em CD
ou tinham saído porcamente.
"Todos os seus grandes sucessos de carreira solo estão
nessa caixa, e tudo o que Ney
fez a partir de então foram desdobramentos dessa fase", afirma Faour.
A caixa faz um percurso: da
postura "chocante" do primeiro trabalho à suavidade de "À
Flor da Pele", em que cantava
sem figurino ou maquiagem e
apenas acompanhado do violão
de Raphael Rabello.
"Precisei chegar ao "Pescador
de Pérolas" [de 1987, recital que
fazia com quatro músicos] para
poder me dedicar a outro ramo.
Eu sabia que cantava, mas também ficava na dúvida, porque
falavam tanta loucura: é porque
"mostrava a bunda", "ficava nu"...
No "Pescador", foi quando abri
mão de qualquer forma espetaculosa e fui me dedicar ao ato
de cantar", conta à Folha.
O intérprete que depois gravaria tributos a Villa-Lobos,
Ângela Maria e Cartola nasceu
ali, mas antes se firmara o personagem de danças e (poucas)
roupas nada convencionais,
que já provocava nos títulos
dos discos: "Bandido", "Pecado", "Seu Tipo". Sem falar nas
fotos, como a dele totalmente
nu no LP "Feitiço" (1978).
"Não tenho mais nenhum interesse por esse tipo de coisa",
avisa ele, que diz estar light no
atual show "Inclassificáveis".
"Tinha quando não podia. Pode
agora? Tá bem, tá tudo liberado, já não me interessa. [Na
época] Eu fiz uma sessão de fotos com o Trípoli... Ele foi me
perguntado: "Você tira a camiseta?" "Tiro". "Você abre a calça?" "Abro". "Tira a calça?" "Tiro".
"Tira a cueca?" "Tiro". Recentemente, ele quis publicar a foto,
eu pedi que não botasse o pau
de fora. Não me interessava
mais. Gosto de ficar nu, tomar
banho de rio nu, tomar banho
de mar nu, mas não tenho essa
necessidade de usar para espantar alguma coisa."
Ney nunca foi chamado para
depor nos Dops de então. Mas
diz ter recebido vários recados
de que estava exagerando. Chegou a se incomodar por entender que o regime militar o via
como símbolo gay, o que seria
muito redutor. "Eu gostaria de
falar de muito mais coisas. Mas
acho que abri uma porta larga
aí, sem virar estandarte de nada. Eu, na verdade, defendo os
direitos de expressão para todos, incluindo os homossexuais", explica.
Telma
Curiosamente, um de seus
sucessos relacionados ao universo gay ficou fora da caixa. Já
há anos ele assegurou que "Calúnias (Telma, Eu Não Sou
Gay)" não fizesse parte da sua
obra. Diz que cantou a versão
de "Tell me Once Again", em
1983, só para o disco do grupo
João Penca e Seus Miquinhos
Amestrados, que gostava de paródias. Mas foi obrigado a incluí-la em seu próprio disco por
um diretor da gravadora CBS,
que teria ameaçado retirar os
LPs de João Penca das lojas.
"Sofri uma chantagem. Eu fiquei puto, mas me submeti,
porque ainda não bancava essas coisas. Nunca consegui engolir essa história", diz.
Abrangendo da canção mais
sofisticada ao pop mais efêmero, a caixa reflete uma trajetória que deu a Ney o direito de,
hoje, cantar o quer.
Agora mesmo, está ensaiando para um projeto em que, pela primeira vez, gravará Roberto Carlos: "A Distância". Só seu
lado letrista é que exercitou
muito pouco. Por autocrítica,
não por medo, garante. "Eu não
tenho medo de nada."
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