São Paulo, sábado, 18 de janeiro de 1997. |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice Elis Cantora fez música esquecida Uma das principais intérpretes do país - que morreu há 15 anos, no dia 19 de janeiro - também compunha. A canção que criou em 1965 não consta de sua biografia
ARMANDO ANTENORE da Reportagem Local Elis Regina assinou pelo menos uma canção como compositora. O fato, quase desconhecido, vem à luz em detalhes apenas agora, 15 anos após a morte da cantora. Morte, por sinal, é o tema da música, que Elis escreveu com o jornalista e radialista Walter Silva. Toquinho a incluiu num disco de 1966, sob o título de "Triste Amor Que Vai Morrer". Deu-lhe interpretação exclusivamente instrumental. A letra ficou de fora e continua inédita. Depois do violonista, ninguém gravou a composição, que acabou esquecida. A principal biografia da cantora -"Furacão Elis", lançada pela jornalista Regina Echeverria em 1985- ignora a canção. "Não a conhecia. É uma falha", admite a autora. Há três dias, a Folha localizou o contrato em que os parceiros cederam os direitos da obra para a editora Música Brasileira Moderna, pertencente à Fermata. O documento, com duas páginas, exibe a data de 13 de abril de 1966. Está nos arquivos da própria Fermata. As partituras da canção, entretanto, se perderam. "Guardei uma cópia, só que não consigo achá-la", lamenta Walter Silva, 63, compositor mais do que bissexto. "Triste Amor" é a única música que registrou. Paulistano da Mooca, o jornalista desempenhou papel fundamental na carreira de Elis. Foi quem produziu "Boa Bossa", "Primeira Denti-Samba", "Dois na Bossa" e outros célebres shows do teatro Paramount, em São Paulo. Os espetáculos -que costumavam atrair 2.000 pessoas- projetaram a cantora na década de 60. Embora não encontre as partituras de "Triste Amor", Walter Silva ainda se lembra bem da melodia. A letra é que lhe escapa um pouco. "Escrevemos duas estrofes. Sei cantar toda a primeira, mas não me recordo inteiramente da segunda. Faltam os versos finais." O jornalista também se diz capaz de reconstituir o momento em que a música nasceu. O dado é importante, pois ajuda a compreender por que "Triste Amor" caiu no ostracismo. Hebe Walter Silva afirma que a canção surgiu em 1965. Elis tinha 20 anos e atravessava um período particularmente bom da carreira. Em abril, vencera o Primeiro Festival de Música Popular Brasileira na TV Excelsior, defendendo "Arrastão", de Edu Lobo e Vinicius de Moraes. Logo depois, ganhou o Prêmio Roquete Pinto como melhor cantora de 1964. E, no dia 19 de maio, a Record lhe entregou o comando do programa "O Fino da Bossa". Em termos pessoais, porém, o mundo não se mostrava tão cor-de-rosa. A jovem gaúcha ficara grávida e decidira abortar. "Furacão Elis" aborda o episódio. Mas não conta que, numa tarde daquele ano, a cantora visitou Hebe Camargo. A apresentadora vivia em um sobrado no bairro paulistano do Sumaré. Quando Elis chegou, Walter Silva entrevistava a dona da casa para o programa "Pick-Up do Pica-Pau", transmitido pela Bandeirantes AM. Às tantas, se viu sozinho com a cantora. "Ela, então, me confessou que iria abortar", diz o jornalista. "Para acalmá-la, propus tratarmos daquilo numa música." "Os dois se sentaram em um sofazinho que havia no hall de entrada", descreve Hebe. "Por ali, costumávamos guardar um violão. Vi quando Walter Silva o pegou." Nas costas do instrumento, o jornalista apoiou um pedaço de papel e sugeriu o título da música. Elis aprovou. "Juntos, escrevemos a letra, como se montássemos um quebra-cabeça. Depois, pedi um gravador para Hebe. Liguei e fizemos a melodia com a voz, porque não tocávamos violão." "Foi um momento muito íntimo, que presenciei à distância", relata a apresentadora. "Não pude ouvir o que cantarolavam -e nenhum dos dois me contou. Estou sabendo agora." Toquinho O próprio Walter Silva levou a fita para a Fermata. Somente quando a editora colocou a canção no disco "O Violão do Toquinho" -o primeiro do músico- é que Elis e o jornalista assinaram o contrato de cessão de direitos. A música ocupa o lado A do LP. Entre as 13 composições que a "bolacha" reúne, estão "Olê Olá" (de Chico Buarque) e "Canto de Ossanha" (de Baden Powell e Vinicius de Moraes). "A assinatura do contrato ocorreu em meu escritório, na avenida Ipiranga, bem no centro de São Paulo", atesta Juvenal Fernandes, então sócio-diretor da Fermata. "Elis, uma menina, veio acompanhada da mãe." O documento indica que os parceiros receberam Cr$ 1 mil pelos direitos (hoje, cerca de R$ 3). "Era um valor simbólico, comum na época", esclarece Walter Silva. Toquinho diz que, ainda em 1965, Elis lhe apresentou a música. "Não mostrou a letra, apenas cantarolou a melodia. Gravei porque achei bonita." Marília Gabriela "Triste Amor Que Vai Morrer" não decolou nos anos 60 e ficou mais de uma década hibernando. Quando Marília Gabriela resolveu lançar seu primeiro disco, tomou conhecimento da canção por Walter Silva. Era 1982 e Elis acabara de morrer. Gabi fazia sucesso na Rede Globo, à frente do programa "TV Mulher", que tinha a cantora como madrinha. "Pensei em gravar a música para homenageá-la. Depois, desisti. Poderia soar como exploração", explica a jornalista. "Não me surpreende saber que minha mãe compôs a canção", afirma o baterista e tecladista João Marcello, 25, o mais velho entre os três filhos de Elis. Ele revela que, nos últimos anos de vida, a cantora escreveu muitas letras. "Infelizmente, destruiu a maioria." Texto Anterior | Próximo Texto | Índice |
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