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ARTES PLÁSTICAS
Nuno Ramos testa os limites
da matéria e da obra de arte
Ormuzd Alves/Folha Imagem
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Trabalho com vidro fundido moldado em folhas de palmeira e com texto de "Cujo" |
JULIANA MONACHESI
free-lance para a Folha
O MAM parece uma cozinha.
Caldeirões fervem parafina, óleo é
derramado aqui e ali, água e cal
são misturadas, vaselina líquida é
despejada em vidros soprados.
Trata-se da montagem da exposição de Nuno Ramos, artista plástico que, com apenas 39 anos, ganha a partir de hoje uma quase-retrospectiva em um dos mais importantes museus do país.
A obra de Nuno é assim viva.
Materiais como terra, sal, breu,
vaselina, tecido e vidro são usados
nas esculturas, instalações e pinturas em uma busca de fusão das
qualidades dos elementos, gerando formas intermediárias.
Mesmo nos gêneros artísticos, a
obra de Nuno é uma forma intermediária: as pinturas ficam no limite porque têm peso e volume
de escultura, mas mantêm o chassi. É o neoexpressionismo de
quando ele despontou no cenário
das artes, com o Grupo Casa 7, levado às últimas consequências.
A mostra traz obras selecionadas pelos curadores Alberto Tassinari e Rodrigo Naves, cobrindo
mais de uma década na trajetória
do artista, e foi exibida no Centro
de Arte Hélio Oiticica, no Rio, antes de vir para São Paulo. A seguir,
leia entrevista que Nuno Ramos
concedeu à Folha durante a montagem da exposição, no MAM.
Folha - O crítico Alberto Tassinari escreveu que considerava
suas pinturas de 92 em diante
de um volume exagerado e que
elas marcariam o fim da sua trajetória como pintor. Como você
resolveu esse impasse nas novas pinturas?
Nuno Ramos - Meu trabalho
como pintor começa em 88 com
aqueles quadros cheios de matéria. Ele vai numa dança bastante
boa até a exposição da Raquel (galeria Raquel Arnaud, em São Paulo), em 91. A partir dali, eu fiz o
"111", o "Mácula", um monte de
outras coisas fora da pintura e
acho que eu me desconcentrei um
pouco dela. Eu senti esse trabalho
de quadro voltar com força naquele quadro (indica a obra sem
título, de 98, da coleção Gilberto
Chateaubriand).
Acho que é possível falar sim de
momentos mais difíceis com esses quadros, tanto que eu nunca
os expus autonomamente e dei
um tapa depois, sem mexer muito, mas o pouco que eu mexi por
causa desse fez eles darem uma
nascida. Então, se a previsão está
errada, acho que o sentido está
bem posto, porque teve um momento mais travado ali, sim.
Folha - São Paulo recebeu ano
passado as exposições de César
e Arman, nas quais é possível
ver alguma familiaridade com
seu trabalho. O que você deve
ao novo realismo?
Ramos - Não devo nada, não
gosto. Gosto muito do Yves Klein,
mas acho os outros um saco. Tem
um acúmulo de coisas, mas ali é
um acúmulo disforme, não é
construído, uma coleção de botões ampliada, não vejo tensão;
acho bobo, parado, sem graça.
Em relação ao Klein, eu teria de
pensar um pouco, mas alguma influência deve haver, porque eu
gosto demais.
Folha - Então, no seu trabalho,
importa mais a construção do
que o acúmulo?
Ramos - Eu nunca parto de nada pronto, nada que exista. Meu
trabalho é uma luta contra a colagem. O difícil nele é não fazer colagem com essa volumetria e com
esse número de coisas postas, ou
seja, achar alguma forma de continuidade.
Folha - Você já usou o conceito
de "forma enfraquecida" para
explicar que não gosta que os
objetos no seu trabalho tenham
muita literalidade. Em trechos
do seu livro "Cujo", você diz
que, quando uma forma prevalece, ela estraga a obra. Por que
isso é um problema?
Ramos - O que eu noto é o seguinte: quando levanto o quadro
e o olho pára num ponto, ele está
errado. Aquilo precisa ficar meio
sem foco, um pouco pollockianamente, para falar de uma influência, essa sim, profunda. No Pollock a energia é muito intensa,
mas disseminada; não tem centro, não tem nó. Então, quando
prevalece uma coisa, nos quadros
isso é evidente. Nas esculturas
também sinto isso: a pedra não
pode ser muito pedra. Essa pedra
cinza (refere-se ao "Manorá Preto") me dá a maior aflição, acho
horrível até que a vaselina escorra
e faça a pedra amolecer.
Folha - Todos os seus trabalhos são muito impactantes. Você pode dizer o que pretende
provocar com essa visualidade
tão exacerbada?
Ramos - Muitas vezes não é exatamente visualidade. Acho que
mesmo nos quadros essa visualidade é muito tátil, quer dizer, tem
alguma coisa intermediária também aí. Esse trabalho impressiona
talvez pela materialidade. Mas
não sei o que eu pretendo... acho
que tem alguma coisa da matéria
estar no limite de um descontrole,
talvez. Eu não gosto de perder o
controle, não vejo graça em quebrar aqueles vasos e abrir tudo
(referência a "Vaso Ruim").
Todo mundo me fala, como se
meu trabalho muitas vezes fosse
assim, "ai, que legal, porque tanto
faz". Para mim não: tem uma hora que está lindo, aí cai um milímetro e estraga tudo. Eu sou super sensível nesse sentido. Mas
acho que o que eu quero é o momento em que a matéria está quase solta. Aí fica bom, talvez seja isso que impressione muitas vezes,
é esse momento em que a matéria
está um pouco descontrolada.
Folha - Ao escrever sobre sua
obra, Lorenzo Mammi afirma
ser uma arte sobre a impossibilidade da arte, referindo-se à
tentativa de que a pintura seja o
próprio gesto, quando este já
está ausente, e ao acúmulo de
informações nas instalações
que termina por gerar um silêncio. A sua nova escultura, "Casco", sobre a empreitada frustrada do navegador Shackelton,
resume esse tema da impossibilidade na sua obra?
Ramos - Acho que esse tema da
impossibilidade, não da arte, mas
da vida, do luto, do fracasso, é
muito interessante. Eu tenho uma
identificação um pouco confusa
com isso, mesmo com o lado mais
negro da cultura brasileira tipo
Graciliano Ramos, Mário Peixoto, Goeldi, Iberê, Nelson Cavaquinho. Eu gosto muito desse lado
sem carnaval, o lado triste mesmo, quase trágico.
Embora eu também ache que
meus quadros são meio violentos,
carnavalescos um pouco. Agora
me irritam um pouco as feições
da cultura brasileira mais... tipo
Caetano, Gil, tudo muito reversível em tudo. Acho que tem alguma energia triste para ser captada.
Não sei se eu estou captando, mas
eu me identifico com isso.
Mas, em geral, as pessoas associam meu trabalho não à impossibilidade da arte, mas à possibilidade da arte, algo afirmativo.
No Shackelton, o que acho bonito é que, mais que um fracasso,
a história dele é um elogio à sobrevivência, pois a equipe sobrevive em condições absurdas. Depois, é aquela coisa de viagem: você vai atrás de uma coisa e encontra outra. Quer dizer, eles fazem
outra aventura muito mais interessante do que atravessar o pólo.
Folha - Qual a importância
dessa exposição no MAM, desse
reconhecimento que, ano passado, por exemplo, foi dado
apenas a artistas como Franz
Weissmann e Lygia Clark?
Ramos - Não sei dimensionar
bem. Acho que a gente não deve
ficar muito paralisado com essas
coisas, nem diminuir nem aumentar. É um momento de teste
para as coisas que eu faço, nesse
sentido de sofrer uma alteridade
institucional. Isso é meio novo
para o trabalho. Eu vou fazer 40
anos em 2000 e pensei muito isso
com essa exposição: tem algo de
olhar sobre os ombros. Eu tô um
pouco olhando para trás e tenho
de achar uma medida para não virar uma estátua de sal, para isso
ser uma coisa rica para mim.
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