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CRÍTICA
Obra desfaz signo usual
RÉGIS BONVICINO
especial para a Folha
"O lixo não aspira a ser melhor
do que é." Esse aforismo da poeta
polonesa Wislava Zsymborska,
ganhadora do Prêmio Nobel de
1996, comentando a razão de seu
hábito de colecionar cartões-postais usados, vem-me à cabeça para tentar dialogar com o trabalho
de Nuno Ramos.
Na mostra que ora lhe oferece o
MAM de São Paulo, o artista expõe parte significativa de sua produção dos anos 90, com exceção,
por exemplo, da instalação "111"
(massacre do Carandiru, de 93).
Suas peças, sejam quadros, esculturas ou instalações, se valem
mais das coisas, elas mesmas -
em estado de abandono e deslocamento, que as torna semelhantes a "lixo" ou a sítio de "desmanche" - do que de símbolos. Ressalve-se desde já que a idéia de lixo, em Ramos, não se contrapõe à
de "imaginação" (ao contrário) e
tampouco vincula-se à pop art ou
às diluições dos "ready-mades"
de Marcel Duchamp.
A estratégia de Ramos é a de
agir por meio de uma literalidade,
que reúne, por exemplo, num de
seus retângulos ou "quadros" intitulados "Sem Título" (1991), espelhos, tecidos, folhas, plásticos,
tintas, metais e resina de madeira.
Essa estratégia de relacionar elementos díspares leva a um esvaziamento da ordem simbólica
previsível, instaurando uma nova
ordem de narração e fabulação.
O fragmento "vra" (de palavra)
- estampado ao lado de cacos de
vidro e de um naco de cor verde
escura- remarca, nessa peça,
também a tensão entre o natural e
o artificial, entre o visível e o ilegível, que informa o conjunto todo
desse artista.
Um momento brilhante de seu
trabalho recente é a instalação intitulada "Vaso Ruim", de 1998, de
cerâmica e vaselina, que dialoga
com o provérbio "vaso ruim não
quebra". Para afirmar a proposição do ditado popular, Ramos
apresenta, de modo simples e direto, vasos quebrados, que dão
vazão a um líquido branco (símbolo do puro e do bom). Até aqui
a imagem corresponderia ao objeto: o vaso bom quebrou.
Todavia, o "líquido" se revela,
ao espectador, paralisado, em
confronto com sua naturalidade.
É como se Ramos acrescentasse
algo à frase: vaso ruim quebra,
mas o líquido que está dentro dele
não corre, propondo, dessa maneira, uma visão mais complexa e
desconfiada: a do progresso sem
progresso. A do paradoxo que
não se resolve.
É como se as coisas dissessem
que estão cansadas de seu uso
convencional, aspirando a uma
desconformidade com a representação, a uma divergência com
os símbolos. Divergência com os
valores do mundo, como risco,
experimento ou manifestação de
um ser pensante e vivo, que se recusa a encontrar uma só resposta
ou significado para uma questão.
O significado final pode ser no
máximo a revelação de uma instabilidade, o que explicita o caráter crítico e de busca de novas situações, que percorre a obra de
Ramos. O que, aliás, a qualifica,
num panorama de repetições e
contentamento (cinema, literatura, teatro etc.), como das mais
consistentes e poderosas do cenário das artes neste Brasil de hoje.
Avaliação:
Exposição: Nuno Ramos
Onde: MAM-SP (pq. Ibirapuera, portão
3, tel. 0/xx/11/549-9688)
Quando: abertura hoje, às 19h. Ter. a
sex.: 12h às 18h; qui.: 12 às 22h; sáb.,
dom. e feriados: 10h às 18h. Até 19/2
Quanto: R$ 5 e R$ 2,50. Grátis às terças e
quintas (após às 17h)
Patrocínio: Price-Waterhouse
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