São Paulo, Terça-feira, 18 de Janeiro de 2000


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CRÍTICA
Obra desfaz signo usual

RÉGIS BONVICINO
especial para a Folha


"O lixo não aspira a ser melhor do que é." Esse aforismo da poeta polonesa Wislava Zsymborska, ganhadora do Prêmio Nobel de 1996, comentando a razão de seu hábito de colecionar cartões-postais usados, vem-me à cabeça para tentar dialogar com o trabalho de Nuno Ramos.
Na mostra que ora lhe oferece o MAM de São Paulo, o artista expõe parte significativa de sua produção dos anos 90, com exceção, por exemplo, da instalação "111" (massacre do Carandiru, de 93).
Suas peças, sejam quadros, esculturas ou instalações, se valem mais das coisas, elas mesmas - em estado de abandono e deslocamento, que as torna semelhantes a "lixo" ou a sítio de "desmanche" - do que de símbolos. Ressalve-se desde já que a idéia de lixo, em Ramos, não se contrapõe à de "imaginação" (ao contrário) e tampouco vincula-se à pop art ou às diluições dos "ready-mades" de Marcel Duchamp.
A estratégia de Ramos é a de agir por meio de uma literalidade, que reúne, por exemplo, num de seus retângulos ou "quadros" intitulados "Sem Título" (1991), espelhos, tecidos, folhas, plásticos, tintas, metais e resina de madeira. Essa estratégia de relacionar elementos díspares leva a um esvaziamento da ordem simbólica previsível, instaurando uma nova ordem de narração e fabulação.
O fragmento "vra" (de palavra) - estampado ao lado de cacos de vidro e de um naco de cor verde escura- remarca, nessa peça, também a tensão entre o natural e o artificial, entre o visível e o ilegível, que informa o conjunto todo desse artista.
Um momento brilhante de seu trabalho recente é a instalação intitulada "Vaso Ruim", de 1998, de cerâmica e vaselina, que dialoga com o provérbio "vaso ruim não quebra". Para afirmar a proposição do ditado popular, Ramos apresenta, de modo simples e direto, vasos quebrados, que dão vazão a um líquido branco (símbolo do puro e do bom). Até aqui a imagem corresponderia ao objeto: o vaso bom quebrou.
Todavia, o "líquido" se revela, ao espectador, paralisado, em confronto com sua naturalidade. É como se Ramos acrescentasse algo à frase: vaso ruim quebra, mas o líquido que está dentro dele não corre, propondo, dessa maneira, uma visão mais complexa e desconfiada: a do progresso sem progresso. A do paradoxo que não se resolve.
É como se as coisas dissessem que estão cansadas de seu uso convencional, aspirando a uma desconformidade com a representação, a uma divergência com os símbolos. Divergência com os valores do mundo, como risco, experimento ou manifestação de um ser pensante e vivo, que se recusa a encontrar uma só resposta ou significado para uma questão.
O significado final pode ser no máximo a revelação de uma instabilidade, o que explicita o caráter crítico e de busca de novas situações, que percorre a obra de Ramos. O que, aliás, a qualifica, num panorama de repetições e contentamento (cinema, literatura, teatro etc.), como das mais consistentes e poderosas do cenário das artes neste Brasil de hoje.


Avaliação:     


Exposição: Nuno Ramos Onde: MAM-SP (pq. Ibirapuera, portão 3, tel. 0/xx/11/549-9688) Quando: abertura hoje, às 19h. Ter. a sex.: 12h às 18h; qui.: 12 às 22h; sáb., dom. e feriados: 10h às 18h. Até 19/2 Quanto: R$ 5 e R$ 2,50. Grátis às terças e quintas (após às 17h) Patrocínio: Price-Waterhouse


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