São Paulo, quinta-feira, 18 de janeiro de 2001

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TEATRO

Destaque da dramaturgia americana atual, o autor finalmente debuta no Brasil com "SubUrbia", que estréia em SP

Eric Bogosian atualiza o tédio de Tchecov

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Mais conhecido no país pela atuação no cinema (é o cínico disc-jóquei do filme "Talk Radio", 1988, dirigido por Oliver Stone, roteiro que partiu da sua peça homônima), o dramaturgo Eric Bogosian, um dos destaques do teatro americano contemporâneo, finalmente chega aos palcos brasileiros: a montagem de "SubUrbia" (94) estréia hoje no Sesc Anchieta, em São Paulo, com encenação de Francisco Medeiros.
Em entrevista por e-mail à Folha, de Nova York, Bogosian, 47, associa o tédio e a falta de perspectiva dos sete jovens de "SubUrbia" à atmosfera que domina os textos do russo Anton Tchecov no final do século passado.
A peça também chegou ao cinema, quatro anos atrás, num filme de Richard Linklater. Bogosian transita nas duas áreas com conhecimento de causa. Atuou, por exemplo, em "Desconstruindo Harry" (97), de Woody Allen.
Em meio a projetos para TV, cinema e teatro, lançou em 2000 seu primeiro romance, "Mall".

Folha - Pode-se relacionar o tédio dos jovens de "SubUrbia" com o mesmo sentimento dos personagens de Tchecov?
Eric Bogosian -
Eu estudava "As Três Irmãs" quando escrevi "SubUrbia". Eu amo Tchecov, sobretudo sua aguda observação da condição humana. A influência de Tchecov, particularmente de "As Três Irmãs", é múltipla em "SubUrbia". São peças que expõem um conjunto atuando. Isso é uma coisa particularmente forte no meio teatral, a capacidade de apresentar um grupo de pessoas de uma forma mais ou menos democrática. Nenhum personagem se sobressai como protagonista, e assim a peça vai se desdobrando em caminhos difusos. Nenhum ator tem um papel pequeno. Outros aspectos importantes são a ambição dos jovens em mudar do local em que vivem, a distância das grandes cidades, o descontentamento com a política sexual. Isso lembra Tchecov.

Folha - A abordagem sócio-política é uma constante em suas peças?
Bogosian -
Minhas peças realmente giram em torno de temas sociais. Eles emergem intuitivamente e espero que permaneçam na interpretação dos personagens (novamente vejo Tchecov). Em outras palavras, eu não acho que teatro é lugar para sermão, para audiência sobre algum tema. Mas, se esses temas surgem no meu pensamento (e isso acontece), então têm lugar na minha arte.

Folha - Seis anos depois da estréia, qual sua perspectiva em relação aos jovens que têm esse perfil em qualquer lugar do planeta?
Bogosian -
Eu escrevi a peça sobre meus amigos, não especificamente, mas de uma maneira geral. A juventude tem uma energia e um idealismo terríveis. Tristemente, sem uma perspectiva apropriada, essa energia é dissipada, perdida. Eu transcendi minha situação original e tive sorte de deixar uma cidade simples e honesta, de classe média, para fazer parte de um mundo mais sofisticado. Encaro aqui como a juventude vê o passado e a desinformação que tem do mundo, quando descobre como o mundo realmente funciona. Encontro essas coisas nos livros. Acho que a falta de educação é a grande tragédia e perda de nossa juventude.

Folha - Há algum aspecto autobiográfico em "SubUrbia"?
Bogosian -
Só depois de ter escrito a peça eu percebi que tinha escrito sobre mim mesmo. O personagem Jeff é muito parecido comigo aos 20 anos.

Folha - Como situa sua dramaturgia na cena contemporânea dos EUA?
Bogosian -
Como todo jovem artista de teatro, eu fui excessivamente nas raias da tradição da dramaturgia de Harold Pinter, Edward Albee e, mais tarde, me aproximei do assim chamado teatro experimental, particularmente de Richard Foreman. Quando eu fui para Nova York, em 75, perdi interesse no teatro tradicional e comecei a me envolver com um grupo de artistas plásticos, que tornou-se famoso. Entre os mais conhecidos, estavam Robert Longo e Cindy Sherman. Esses artistas enfatizavam uma volta dos arquétipos familiares para a cultura. Eu comecei a fazer teatro a partir desse modelo e o tempo todo fui desenvolvendo minha própria voz, baseada em personagens da família, mas, ao mesmo tempo, arquetípicos. Não poderia explicar melhor. Escrevo do jeito que penso. Nunca me pensei dentro de um movimento, a não ser com os amigos artistas visuais.



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