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CRÍTICA
Perversão é instrumento para abordar incomunicabilidade
SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA
"Desculpe" , diz o aluno
adolescente à professora
de piano, depois de ter sido flagrado ao manusear revistas pornográficas. "Desculpar-se por quê?"
Por se sentir um porco? Por que
os outros fazem com que se sinta
um porco?", pergunta ela, com a
voz alterada. Humilhado, ele reúne as partituras e deixa a sala.
Ao agredir o menino, porém, o
que a professora Erika Kohut
(Isabelle Huppert) expõe é a sua
própria ferida. Ela se sente um
monstro -em aparência e comportamento-, está condenada a
uma vida dupla e pervertida, e a
culpa é de seus circunstantes.
Em "A Professora de Piano", o
diretor austríaco Michael Haneke
não faz concessões ao pudor.
Num filme em que não há praticamente cenas de nudez, o cineasta consegue ultrapassar os limites
da obscenidade e da pornografia.
Não é difícil ver se repetirem, nas
críticas já publicadas, adjetivos
como "indigesto" e "incômodo",
além de relatos sobre pessoas que
saíram no meio da sessão.
Erika é uma pianista renomada
no pequeno e refinado círculo da
música erudita em que transita.
Especialista em Schubert, ela dá
aulas no conservatório de Viena
para alunos selecionados em exames disputados e rigorosos.
Por trás de uma vida disciplinada pela dedicação à música, Erika
-que não se permite sorrir nunca- esconde uma existência paralela. Voyeur, ela sai à caça de casais transando em lugares públicos, frequenta sex shops, promove sessões de automutilação em
casa e coleciona objetos para prática de sadomasoquismo.
Erika tem um relacionamento
doentio com a mãe (Annie Girardot), com quem vive num ambiente claustrofóbico e violento.
Até que surge Walter Klemmer
(Benoît Magimel), um jovem e
bonito estudante de piano. Primeiro, ele se sente atraído por ela
por admirar a forma como interpreta Schubert. Esse sentimento,
entretanto, se transforma numa
obsessão que cresce de forma fulminante na mesma medida em
que ela o rejeita e humilha.
Erika, por sua vez, vê em Walter
a oportunidade de realizar seu desejo mais secreto -ser ela própria rejeitada, agredida e submetida sexualmente. Ela redige uma
carta em que descreve em detalhes a forma como quer ser tratada e entrega-a ao dilacerado Walter. Transtornado, ele se vê diante
do dilema de aceitar ou não o jogo
proposto como única maneira de
concretizar a paixão de ambos.
A perversão carrega o filme,
mas Haneke não se dedica a teorizar sobre ela. Mais do que um tema, se torna em suas mãos um
instrumento para abordar a incomunicabilidade entre as pessoas.
Em especial, entre pessoas encerradas em universos particulares,
pequenos infernos pessoais cercados por muros levantados pelo
desejo ou pela privação.
Por meio do choque, Haneke
parece querer abalar os muros de
cada um de seus espectadores.
Resta aceitar a invasão, ou fazer
como o garoto humilhado do começo deste texto: pedir desculpas
e deixar a sala correndo.
A Professora de Piano
La Pianiste
Direção: Michael Haneke
Produção: Áustria/França, 2001
Com: Isabelle Huppert, Benoît Magimel
Quando: a partir de hoje no Cineclube
DirecTV
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