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CINEMA/ESTRÉIAS
Diretor de "Kiriku e a Feiticeira" lança reunião de seis contos feitos há 12 anos
Fantasia à contraluz
FRANCESCA ANGIOLILLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma breve espiada na biografia
do cineasta Michel Ocelot sugere
um personagem exótico como os
de suas animações. Não gosta de
dizer ("é segredo, mas respondo,
porque você me perguntou") que
nasceu em 1943, na França. Boa
parte da infância, passou na África: dos seis aos 12 anos em Guiné.
É da experiência africana que
ele acha que vem o "gosto pelas
cores" que já se notava em "Kiriku e a Feiticeira", seu primeiro
longa. "Ficava na janela olhando
as pessoas, vestidas de modo
magnífico; tentava pintar a mesma coisa e não conseguia: a realidade era ainda mais bonita."
Tendo desenhado e escrito desde criança, juntar as duas artes na
criação de animações parecia natural; porém a aptidão para contar histórias como as de "Príncipes e Princesas", que estréia hoje
em São Paulo, veio com o tempo.
"Quanto mais envelheço, mais
tenho vontade de contar histórias,
e elas vêm mais facilmente. Eu reli
histórias que havia escrito há tempos e achei muito ruins. Acho que
estou bem melhor agora", diz o
cineasta, falando à Folha por telefone, de Paris, onde vive.
Depois do sucesso de "Kiriku"
-só na França, atingiu cerca de
1,6 milhão de espectadores-,
Ocelot se empenha em corrigir:
seus filmes não são para crianças.
Por isso, assim que a repórter se
identifica, Ocelot sai perguntando: ""Príncipes e Princesas" vai falar "brasileiro'?". Mostra alívio ao
saber que terá versões dubladas e
com legendas: na França, o filme
foi apresentado somente em matinês, o que limitou seu acesso ao
público adulto.
"Se você quer encontrar trabalho em animação, tem de dizer "é
para crianças", senão não tem filme", lamenta. "A animação eu
queria; as crianças, não. Mas elas
caíram sobre mim e as aceito. Eu
me dei conta de que, ao me disfarçar de autor infantil, capturo os
adultos. Eles não desconfiam e,
aos poucos, eu os conquisto."
Assim, ao ver que atingira "pequenos, jovens e velhos" com "Kiriku", desistiu da intenção inicial
de fazer de seu segundo longa um
filme "francamente adulto".
"Nunca fiz o que não quisesse.
O problema é que nem sempre eu
tinha dinheiro suficiente para fazer o que queria realmente", explicando porque recusou convites
para séries de TV ou tapar os personagens nus de "Kiriku" para
vendê-lo a países anglo-saxões.
Aceitou, porém, a sugestão do
produtor de reunir, numa mesma
fita, seis curtas feitos há 12 anos
-exatamente num momento em
que o dinheiro andava escasso.
A riqueza visual das seis historietas de "Príncipes e Princesas"
não sugere que o uso da técnica de
sombras chinesas -os personagens são silhuetas negras, finamente recortadas contra fundos
muito coloridos- foi determinado por questão financeira.
"Não tinha dinheiro, mas queria fazer os filmes, então achei a
técnica mais barata", admite, rindo, Ocelot. "Agora gosto e, de
tempos em tempos, faço outras. O
que a gente vê, trabalhando, é um
monte de papel, lápis, fita adesiva,
nada bonito. Quando acaba, nem
a gente acredita. É lindo."
Todas as histórias de "Príncipes
e Princesas", como acontecia com
"Kiriku", são escritas por Ocelot.
"Não gosto de adaptações, esses
filmes feitos a partir de romances
ou de quadrinhos famosos me desagradam. Quero fazer obras especialmente para o meu meio de
expressão. Por outro lado, me
aproprio com prazer de contos
tradicionais, que não são de ninguém. Pego a idéia de que gosto,
jogo o resto fora e crio minha própria história."
A idéia de reprocessar idéias para criar coisas novas está em
"Príncipes e Princesas". No filme,
as historietas são criadas e encenadas por um menino e uma menina, sob a orientação de um velho técnico, num cinema abandonado, que aparece como uma espécie de refúgio do barulho da cidade, mas também como lugar de
"transmissão de saber".
Assim, o que Ocelot mostra na
tela é também o seu ofício, como
os personagens fazem no filme.
"Eu mostro às crianças meu trabalho. Espero formar, pouco a
pouco, uma geração de crianças
criativas. Mostrar que existe algo
ainda mais interessante do que
ver filmes: fazê-los."
A estrutura narrativa segue a
dos contos de fadas tradicionais,
com direito a fundo moral, mas
Ocelot deixa de fora o maniqueísmo. Assim, por exemplo, numa
das histórias o menino prefere ficar com a bruxa do que com a
princesa.
Defendendo que "um conto é
bom quando, no fundo, há algo
bastante sério", Ocelot questiona
os papéis de homem e mulher na
última história, que dá nome ao
filme. Por um beijo, o príncipe vira sapo. Sucedem-se outros beijos, que vão transformando o casal em diferentes animais, até que
ele vira ela e vice-versa.
"Pensei em uma frase de Simone de Beauvoir: "Não se nasce mulher, torna-se". Cada um aprende
um gestual, de homem ou mulher. São coisas impostas."
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