São Paulo, sexta-feira, 18 de janeiro de 2002

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Única empresa a produzir discos de vinil no país corre risco de fechar as portas

A fantástica fábrica de bolachas

Roberto Price/Folha Imagem
O técnico de corte William Carvalho, um dos poucos funcionários da fábrica de LPs Poly Som


CLAUDIA ASSEF
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

De uma rua de terra batida em Belford Roxo, município pobre no subúrbio do Rio, saem todos os discos de vinil produzidos hoje no país.
Não são muitos. Em média, 5.000 LPs novos são prensados por mês no Brasil. Quase nada para um país que chega a fabricar 100 milhões de CDs por ano -quase 200 milhões se entrar na conta o mercado dos piratas.
A fabricação do LP resiste no Brasil graças aos esforço do industriário Nilton José Rocha. Em 99, dois anos depois de as grandes gravadoras abandonarem a produção dos vinis, Rocha, 54, montou a Poly Som.
Queria manter viva a fabricação de bolachas, métier em que se meteu em 1969.
A empreitada, que, segundo ele, "nasceu por causa do coração, não do tino comercial", agora corre risco de fechar as portas.
Depois de passar pelas áreas de produção da Polygram, Continental e CID (Companhia Industrial de Discos), Rocha montou a fábrica. "Parece coisa de maluco se meter a produzir vinil quando todos os outros estavam abandonando o barco", brinca. "Foi por paixão mesmo", diz Rocha, que tem em casa uma coleção de 300 discos de grandes orquestras.
A pequena demanda, o alto preço do acetato -matéria-prima básica na fabricação do vinil- e o maquinário afetado pelo tempo podem forçar a Poly Som a abandonar a produção de discos em breve.
No lugar das bolachas, a fábrica passaria a produzir "bugigangas plásticas de mercado fácil", segundo as palavras do dono, como copos de plástico e cornetas. A Poly Som já começou a fazer os tais copinhos, aliás.
Segundo as contas de Luciana Carvalho, 26, da área administrativa da Poly Som, a fábrica vai produzir em janeiro 5.140 LPs, divididos entre rock, hip hop e música eletrônica.
Nos bons tempos, a Poly Som chegou a fabricar até 150 mil LPs por mês, boa parte para a Igreja Evangélica, um de seus principais clientes no passado.
A pirataria, que em 2001 comeu quase metade do mercado de CDs do Brasil, foi a culpada também, segundo o pessoal da Poly Som, pelo afastamento de sua maior cliente. "O pessoal começou a ver que o CD pirata da igreja custava bem menos do que um LP", diz Luciana.
Ela calcula que, se todos os pedidos para produção de discos que recebeu em janeiro vingarem, a fábrica terá fôlego para funcionar até março.
"Temos capacidade para produzir 5.000 discos por dia, mas temos feito essa quantidade durante um mês", diz o técnico de corte William Carvalho, 21, que pilota o torno, o rack e a mesa, equipamentos que dão o pontapé à feitura do vinil. O rapaz trabalha na fábrica há dois anos e sonha ser DJ.
A Poly Som funciona com três funcionários, além de Rocha, o dono. Outros dois são chamados somente nos dias em que a fábrica está produzindo, o que acontece uma ou duas vezes por semana.
A falta de pedidos faz com que haja pouca grana no caixa. Pagamentos têm de ser sacrificados para que seja garantida a compra de matéria-prima. "O jeito é pagar o que dá, que é uma ajuda para alimentação e transporte", diz Luciana, que também é caixa da Poly Som. "Só assim podemos pagar fornecedores."
O maquinário antigo faz com que os funcionários precisem de atenção redobrada.
Numa sala escura e com equipamentos repletos de poeira e graxa, Benedito Simplício Marques, 64, o seu Benê, diz qual é o segredo para contornar a falta de maquinário moderno.
"É preciso fazer tudo com muito amor e sem "apavoramento'", diz o galvonoplasta, nome do profissional responsável por transformar o disco de acetato numa espécie de fôrma, que posteriormente é usada para moldar o vinil na prensa. "A gente tem que tirar a qualidade de dentro da gente, porque o equipamento é bem velho mesmo", diz.
Seu Benê lamenta que o mercado de vinil seja tão pequeno no Brasil. Ele mesmo é um apreciador do som das bolachas. "Ouço em casa LPs do Orlando Silva e do Nelson Gonçalves."
O desgaste do maquinário afasta clientes potenciais como os produtores de música eletrônica.
"Eles reclamam muito que nosso corte sai com problema nos agudos", diz o técnico de corte William Carvalho.

DJs e Daniela Mercury
"Estamos sobrevivendo graças ao hip hop, ao rock independente e aos DJs, que ainda fazem questão de ver seus produtos circulando em vinil", diz Rocha, o dono da Poly Som.
Saíram de lá recentemente bolachas dos DJs Renato Cohen e Ramilson Maia, do produtor Dudu Marote, além de discos dos grupos de rap 509-E, Apocalipse 16, SNJ, Thaíde & DJ Hum, do rapper MV Bill e dos grupos O Rappa e Afro Reggae.
Na semana passada, a BMG acenou o que pode ser um retorno das grandes gravadoras ao mercado de vinil. Fez uma encomenda de 500 cópias do single "Mutante", de Daniela Mercury. Seria o retorno do LP?


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