São Paulo, sexta-feira, 18 de janeiro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MÚSICA/LANÇAMENTOS

Ao lado de músicos do México, Vietnã e Camarões, o astro do jazz Pat Metheny lança CD "universal" e diz que world music é "baboseira"

Sem fronteiras

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Seu modo afetuoso de dedilhar a guitarra e sua vasta cabeleira desgrenhada são dois ícones dos últimos 30 anos do jazz.
Desde que lançou o seminal "Bright Size Life", em 1975, uma das marcas da fusão desse gênero musical com o rock, Pat Metheny até ganhou alguns tons de cinza no penteado, mas sua música não ficou grisalha.
No próximo dia 12, o guitarrista mais famoso do universo jazzístico mostra isso pela quadragésima vez. Nesse dia, ele lança nos Estados Unidos o CD "Speaking of Now", que a Warner promete trazer ao Brasil assim que as cinzas carnavalescas assentarem.
No novo trabalho, o dono de sete Grammys volta a trabalhar sob a égide do Pat Metheny Group, um dos conjuntos mais duradouros da história do jazz.
Desta vez, o grupo vem com nova equipe na cozinha. Ficam os veteranos Lyle Mays (piano) e Steve Rodby (baixo), entram o mexicano Antonio Sanchez (bateria), o camaronês Richard Bona (multiinstrumentos) e o vietnamita Cuong Vu (trompete).
Com essa "liga das nações" nas costas, o "brasilófilo" Metheny, 47, apresenta um trabalho ainda mais sem fronteiras.
Na terça-feira, o artista, que tem mais de cem shows agendados até meados de julho, do Canadá à Coréia, abriu brecha em seu calendário e falou com a Folha sobre "Speaking of Now". "É um dos melhores trabalhos que já fiz." Leia a seguir trechos da entrevista.

Folha - Depois de quase 30 anos de gravações com formação mais ou menos estável, o Pat Metheny Group ganha três novos integrantes. Como a chegada de instrumentistas dos Camarões, do México e do Vietnã influenciou na linguagem do conjunto?
Pat Metheny -
O novo CD traz as maiores mudanças na trajetória existencial do Pat Metheny Group. O mais importante é que assimilamos músicos vindos de históricos diferentes e ao mesmo tempo continuamos nossa história. Fazíamos e fazemos jazz. Tudo gira em torno da idéia da improvisação. Por mais controverso que possa parecer dizer atualmente que se está fazendo jazz, quando todos querem dizer que ele morreu, é isso o que fazemos.

Folha - Então você não concorda com músicos como o baixista Marcus Miller, que declarou em recente entrevista à Folha que o jazz é como o latim: lindo, mas morto?
Metheny -
Não. O jazz está vivíssimo. É um dos principais fomentadores da cultura mundial. Infelizmente, a cultura de modo geral vive uma espécie de ponto baixo. Hoje em dia, música é quase que uma arte para dançar. O jazz é grandioso porque é uma das poucas músicas que realmente pede muito dos ouvintes. Eu mesmo exijo muito deles.

Folha - Por que você diz que a cultura vive um "ponto baixo"?
Metheny -
Mais do que um ponto baixo, diria que estamos em fase de transição. O mundo de modo geral está em choque com a inacreditável explosão das comunicações nos últimos 50 anos. Acho que vai levar pelo menos mais cem anos para que essa exaustão cultural possa ser digerida. Basta pensar nas limitações que as pessoas tinham há um século em lidar com informações alheias a suas vidas e em como somos bombardeados 24 horas por dia por sons, notícias, propagandas. É devastador. Para qualquer lado que você olhe tem uma foto de uma mulher seminua, um anúncio, um "tum-tum-tum".

Folha - Como você acredita que "Speaking of Now" dialoga com os "bombardeios de informações"?
Metheny -
Creio que este CD, como toda a minha produção, não lida diretamente com a saturação cultural. Sempre produzi uma linguagem muito pessoal, pois acredito que os enunciados mais pessoais têm impacto universal. Por outro lado, reconheço que nossa música ficou muito mais densa e que isso reflete de algum modo os bombardeios culturais.

Folha - Em um artigo da revista "Time" no ano passado, o baixista Charlie Haden definiu sua música como "cultura americana impressionista contemporânea". O que você acha disso?
Metheny -
Não sei. A única coisa que posso dizer é que meu trabalho é encontrar as notas certas. Não sei se é jazz, fusion, world music. Música é uma coisa só. Não gosto de dividir nem em música clássica ou popular, em música americana ou brasileira. A primeira vez que fui ao Brasil, em 1979, me senti em casa de um jeito que nunca sentira em lugar algum. Eu e os músicos brasileiros falamos a mesma língua. Cresci escutando Tom Jobim, assim como Charlie Parker. Músicos brasileiros cresceram escutando Miles Davis e Milton Nascimento. Mas não diria música brasileira ou música americana. Pior ainda é world music. É uma baboseira. Estamos todos no mundo e ele é pequeno e vem sendo pequeno há tempos, sobretudo na música.



Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Crítica: Disco une topografia ao quase new age
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.