São Paulo, terça-feira, 18 de janeiro de 2005

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"Mar Adentro" explora dualidade

ÉRICA FRAGA
DE LONDRES

Nada de suspense ou "thriller" psicológico. Ao contrário de "Os Outros" e "Preso na Escuridão", "Mar Adentro", o novo filme do diretor chileno radicado na Espanha Alejandro Amenábar é um drama, com toque de comédia, baseado numa história real sobre eutanásia. Apesar da mudança de gênero, Amenábar volta a explorar como o ser humano encara a dualidade entre vida e morte.
"Mar Adentro" tem ganhado vários prêmios internacionais e foi indicado pela Espanha para concorrer a uma indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro, desbancando "Má Educação", de Pedro Almodóvar.
O filme narra a vida do marinheiro galego Ramón Sampedro, interpretado por Javier Bardem, que ficou preso em uma cama por quase 30 anos, depois de um acidente que o deixou tetraplégico, e lutou sem sucesso para que a Justiça autorizasse a eutanásia.
Amenábar escapou do perigo de fazer um melodrama. Ao contrário, embora a história seja dramática e emocionante, conseguiu retratar o incrível senso de humor e a determinação de Sampedro.

Gênero
Sobre a mudança de gênero -"Os Outros" é um filme de terror psicológico e "Preso na Escuridão" um "thriller" de ficção científica-, Amenábar diz que foi arrebatado pela história.
"Eu diria que, nos outros casos, escolhi as histórias. Desta vez, a história realmente me escolheu", disse Amenábar em entrevista a jornalistas, em Londres.
O diretor conta que se impressionou com a história de Sampedro desde que sua campanha veio à tona no fim dos anos 90, quando acabou se matando. Quando começou a pesquisar sobre o marinheiro, sua intenção era apenas identificar elementos para compor um roteiro, mas descobriu aspectos sobre a personalidade de Sampedro que o fascinaram.
"Acho que nunca faria um filme sobre eutanásia, não fosse pelo extraordinário personagem e pelas circunstâncias", disse.
Sampedro, autor do livro "Cartas do Inferno", em momento nenhum hesitou sobre sua decisão de querer morrer, mantinha uma forte convicção sobre seus pontos de vista e parecia encarar a vida com uma lucidez impressionante. O contato de Sampedro e da platéia com o mundo exterior é intermediado por uma janela do quarto do personagem. A imaginação do galego é representada em cenas aéreas com tomadas que o mostram voando sobre florestas e através de montanhas até o mar.

Amores
Mas a trama é amarrada mesmo por diálogos, nos quais se destacam o realismo na interpretação dos atores. No seu centro, está a forte relação entre Sampedro e sua família, mas principalmente o interessante jogo de relacionamentos que o personagem mantém com duas mulheres.
Julia (Belén Jueda) é uma advogada que sofre de uma doença degenerativa e decide apoiar a causa de Sampedro, se oferecendo a representá-lo na Justiça. Rosa (Lola Dueñas) é uma mulher simples que se aproxima dele para tentar convencê-lo a mudar de idéia.
As duas mulheres-que sintetizam pessoas que, de fato, se envolveram com Sampedro- são usadas por Amenábar como representações de dois ideais opostos. Ambas acabam se apaixonando por ele e, ao longo da história, mudam de lado em relação ao que pensam.
Esse jogo é usado pelo diretor para evitar que a convicção inabalável de Sampedro fizesse com que o filme se tornasse uma apologia à eutanásia. "Tentamos não fazer um filme pró-eutanásia. Por isso mostramos os dois lados, tentando jogar com a dualidade entre vida e morte", disse.
O cuidado não evitou que o filme causasse polêmica na Espanha, onde a Igreja Católica se manifestou publicamente contra. Por outro lado, tem feito sucesso com a crítica. No último Festival de Veneza, "Mar Adentro"-que estréia no Brasil em 4 de fevereiro- ganhou o Grande Prêmio do Júri e Bardem foi escolhido melhor ator. Recentemente, foi eleito melhor filme estrangeiro pelo Conselho Nacional de Críticos dos EUA. Sobre a decisão da Academia Espanhola de Artes e Ciências Cinematográficas de indicar "Mar Adentro" ao Oscar ter desagradado Almodóvar, Amenábar é diplomático. Diz que há sempre algo desagradável em competir, principalmente, quando o concorrente é "um dos maiores".


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