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ARTIGO
Um museu para a memória chilena
FERNANDO SERAPIÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O Chile é o país que possui a
mais festejada arquitetura contemporânea do continente. É
uma espécie de Brasil dos anos
de 1950. Por incrível que pareça, sem esquecer razões econômicas, isso ocorre por causa de
uma faculdade inovadora. Trata-se da Escola de Arquitetura
da Pontifícia Universidade Católica do Chile: ao colocar em
cheque os parâmetros da educação preexistente, resultou
em uma geração de originalidade ímpar. Entre os expoentes,
podemos citar Mathias Klotz,
Alejandro Aravena, Smiljan
Radic e Sebastián Irarrázaval.
Sem a assinatura de nenhum
deles, foi inaugurado o mais
aguardado edifício chileno do
momento. Trata-se do Museu
da Memória e dos Direitos Humanos, financiado pelo governo. O espaço é dedicado aos
abusos cometidos durante a ditadura de Augusto Pinochet.
Mais violento do que o paralelo
brasileiro, entre mortos e desaparecidos, são contabilizadas
mais de 3 mil vítimas do regime
de força chileno. E por que a ansiedade? O museu é a menina
dos olhos da presidente Michelle Bachelet, que deixa o cargo
em março.
Seu envolvimento não é por
pouco: ela e sua mãe foram presas e torturadas pela ditadura.
Se não bastasse, seu pai -um
general da força aérea- morreu em seção de tortura. Planejado desde o primeiro ano do
governo Bachelet -e sem que
nenhum detalhe escapasse de
sua decisão pessoal- o museu
foi construído a toque de caixa.
Brasileiros em Santiago
O projeto foi escolhido por
concurso internacional de arquitetura (com concorrentes
anônimos). Dentre as mais de
50 propostas, o vencedor foi
uma equipe paulista formada
por Mario Figueroa, Lucas
Ferh e Carlos Dias. Apesar de
localizado no centro de Santiago, trata-se de um projeto brasileiro por excelência. Tal afirmação leva em conta um conceitual: o museu tem desconcertante simplicidade de organização dos espaços.
Trata-se de elemento típico
da arquitetura moderna brasileira -de Oscar Niemeyer a Vilanova Artigas- e que muitas
vezes é deixado em segundo
plano, camuflado por curvas ou
malabarismos estruturais.
A imagem mais forte do museu, neste sentido, é a de uma
caixa de cobre que flutua sobre
o vazio. Semelhanças com referências tão díspares como o
Masp, de Lina Bo Bardi, ou o
Mube, de Mendes da Rocha,
são evidentes. O museu propriamente dito fica dentro desta caixa. São quatro andares
constituídos como um grande
ambiente sem sequência expositiva linear. "Uma arca, onde
se pode depositar todas as reminiscências da história chilena", escreveram os autores.
O volume possui 80 metros
de comprimento por 18 de largura e vence um vão de pouco
mais de 50 metros.
Batizada pelos autores de
"barra", este bloco é apoiado
em quatro pontos e estruturado por peças metálicas. Se na
época do concurso a "barra"
possuía uma estrutura regular
em treliça, a obra foi executada
com desenho irregular. À primeira vista, a mudança pode
parecer citação sutil aos ângulos agudos do Museu do Holocausto de Berlim, de Daniel Libeskind. Mas quem disse que
também não pode demostrar
aproximação aos métodos pouco ortodoxos da PUC
do Chile?
Em contraponto à "barra", a
administração, a área de eventos e serviços estão localizados
no subsolo, local onde fica a
praça de acesso que ajuda o edifício a flutuar. O que o torna
contemporâneo, além da materialidade, é o discurso da permeabilidade urbana, da quadra
que pode ser percorrida pelo cidadão. A valorização das virtudes da cidade tem relação direta com teses acadêmicas -os
três arquitetos brasileiros são
professores universitários.
O museu de Santiago é o mais
representativo projeto da carreira dos brasileiros (Figueroa
nasceu no Chile, mas está radicado no Brasil há mais de 30
anos). Eles estão na faixa dos 45
anos de idade, ou seja, são contemporâneos dos colegas chilenos da PUC (o desenho de Irarrázaval para o museu ficou em
segundo lugar). O trio pertence
a uma geração que busca se expressar através dos concursos
locais, raramente executados.
Por aqui, o poder pós-ditadura não se materializou com espaços -preferiu gastar dinheiro com propaganda e base política. Como saída, eles ajudaram
a perpetuar o discurso chileno
pelo repúdio à violação dos direitos humanos.
FERNANDO SERAPIÃO é arquiteto e editor-executivo da revista "Projeto Design"
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