São Paulo, sexta-feira, 18 de fevereiro de 2000


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BERLIM
Schloendorff revisita terrorismo

AMIR LABAKI
enviado especial a Berlim


Vai muito além do cinema a polêmica levantada anteontem em Berlim pelo novo filme de Volker Schloendorff, "As Lendas de Rita". Schloendorff lida pioneiramente com o ciclo completo do terrorismo que abalou a então Alemanha Ocidental entre 1968 e 1977 e voltou a mobilizá-la com novas prisões no imediato pós-89.
O premiado cineasta de "O Tambor" (1979) não cansou de frisar ter feito uma obra de ficção. "Não é um documentário. É uma reinterpretação da história alemã", afirmou na entrevista coletiva de anteontem.
Nem todo mundo concorda. Puxando a fila, está a ex-terrorista alemã Inge Viett. Sem ninguém convidá-la, Viett veio apresentar seu protesto e movimentou anteontem os bastidores do Berlinale Palast, a nova sede do evento, levando a um reforço da segurança do local. A personagem central do filme, Rita Vogt, seria ela.
Schloendorff e seu roteirista, Wolfgang Kohlhaase, negam que seja. A querela deve acabar nos tribunais, num debate sobre a adaptação indevida das memórias de Viett (livro lançado pela editora Nautilus).

Volta à boa forma
A discussão condena a segundo plano uma das raras boas novas da mostra competitiva de Berlim 2000. Pioneiro do "cinema novo alemão" dos anos 60 e 70, Schloendorff esboça com "As Lendas de Rita" uma volta à boa forma, depois de escorregões recentes como "O Ogro" (1996) e "Palmetto" (1998).
O título original é mais poderoso do que o título de exportação. "Die Stille Nach dem Schuss", isto é, "O Silêncio Depois do Tiro", sintetiza com maior dramaticidade a saga de Rita, uma militante ligada ao complexo Baader-Meinhof, ainda que o nome da organização nunca seja dito.
"Não estamos falando como aconteceu a escalada terrorista", explicou Schloendorff. "Seria um filme excitante, mas não é nosso filme."

Dois mundos
O foco aqui é sobre uma personagem desconfortável em dois mundos: o da guerrilha urbana na Alemanha Ocidental e o da vida sob disfarce e em exílio na então Alemanha comunista.
Vários terroristas abrigaram-se sob nova identidade por trás do muro de Berlim. A queda do socialismo em 1989 e a reunificação alemã no ano seguinte tornaram-nos finalmente mais acessíveis à Justiça.
A estreante Bibiana Beglau, 28, compõe uma Rita em constante perplexidade. O filme é dela. Beglau está presente praticamente durante as quase duas horas de projeção. Fica mais bela ou feia, ganha ou perde idade, com naturalidade camaleônica.

Simples
Schloendorff justificou a escolha de uma desconhecida como parte de sua recusa à espetacularização. "Não fui sensacionalista. Trabalhei sem grandes estrelas, evitei tambores ao fundo. Ao contrário, procurei simplificar."
A crítica alemã atacava ontem Rita como uma personagem "superficial". De fato, jamais entende-se bem o que a levou ao terrorismo, por que rompe com os companheiros e decide submergir na outra Alemanha e como suas relações amorosas podem ser tão frágeis.
Ainda assim, assiste-se a "Rita" com interesse. Há todo um mundo a ser revelado nos subterrâneos do antigo bloco soviético. Schloendorff arrisca um primeiro olhar. Muitos o seguirão.


O jornalista Amir Labaki viajou a convite da organização do festival


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