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BERLIM
Schloendorff revisita terrorismo
AMIR LABAKI
enviado especial a Berlim
Vai muito além do cinema a polêmica levantada anteontem em
Berlim pelo novo filme de Volker
Schloendorff, "As Lendas de Rita". Schloendorff lida pioneiramente com o ciclo completo do
terrorismo que abalou a então
Alemanha Ocidental entre 1968 e
1977 e voltou a mobilizá-la com
novas prisões no imediato pós-89.
O premiado cineasta de "O
Tambor" (1979) não cansou de
frisar ter feito uma obra de ficção.
"Não é um documentário. É uma
reinterpretação da história alemã", afirmou na entrevista coletiva de anteontem.
Nem todo mundo concorda.
Puxando a fila, está a ex-terrorista
alemã Inge Viett. Sem ninguém
convidá-la, Viett veio apresentar
seu protesto e movimentou anteontem os bastidores do Berlinale Palast, a nova sede do evento,
levando a um reforço da segurança do local. A personagem central
do filme, Rita Vogt, seria ela.
Schloendorff e seu roteirista,
Wolfgang Kohlhaase, negam que
seja. A querela deve acabar nos
tribunais, num debate sobre a
adaptação indevida das memórias de Viett (livro lançado pela
editora Nautilus).
Volta à boa forma
A discussão condena a segundo
plano uma das raras boas novas
da mostra competitiva de Berlim
2000. Pioneiro do "cinema novo
alemão" dos anos 60 e 70,
Schloendorff esboça com "As
Lendas de Rita" uma volta à boa
forma, depois de escorregões recentes como "O Ogro" (1996) e
"Palmetto" (1998).
O título original é mais poderoso do que o título de exportação.
"Die Stille Nach dem Schuss", isto
é, "O Silêncio Depois do Tiro",
sintetiza com maior dramaticidade a saga de Rita, uma militante ligada ao complexo Baader-Meinhof, ainda que o nome da organização nunca seja dito.
"Não estamos falando como
aconteceu a escalada terrorista",
explicou Schloendorff. "Seria um
filme excitante, mas não é nosso
filme."
Dois mundos
O foco aqui é sobre uma personagem desconfortável em dois
mundos: o da guerrilha urbana na
Alemanha Ocidental e o da vida
sob disfarce e em exílio na então
Alemanha comunista.
Vários terroristas abrigaram-se
sob nova identidade por trás do
muro de Berlim. A queda do socialismo em 1989 e a reunificação
alemã no ano seguinte tornaram-nos finalmente mais acessíveis à
Justiça.
A estreante Bibiana Beglau, 28,
compõe uma Rita em constante
perplexidade. O filme é dela. Beglau está presente praticamente
durante as quase duas horas de
projeção. Fica mais bela ou feia,
ganha ou perde idade, com naturalidade camaleônica.
Simples
Schloendorff justificou a escolha de uma desconhecida como
parte de sua recusa à espetacularização. "Não fui sensacionalista.
Trabalhei sem grandes estrelas,
evitei tambores ao fundo. Ao contrário, procurei simplificar."
A crítica alemã atacava ontem
Rita como uma personagem "superficial". De fato, jamais entende-se bem o que a levou ao terrorismo, por que rompe com os
companheiros e decide submergir na outra Alemanha e como
suas relações amorosas podem
ser tão frágeis.
Ainda assim, assiste-se a "Rita"
com interesse. Há todo um mundo a ser revelado nos subterrâneos do antigo bloco soviético.
Schloendorff arrisca um primeiro
olhar. Muitos o seguirão.
O jornalista Amir Labaki viajou a convite da
organização do festival
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